A paz como caminho da esperança

*Por padre Charles Borg

É tradicional, no início de cada ano civil, o Papa enviar à toda Igreja, a todos os líderes do mundo, como também às pessoas de boa vontade, uma mensagem que tenha a paz como assunto principal. Este ano, o Papa Francisco escolheu focar o dialogo e a solidariedade como ferramentas preciosas para alcançar a paz.

Padre Charles selecionou trechos com o objetivo de tornar conhecida a mensagem do Papa Francisco.

A paz é um bem precioso, objeto de nossa esperança. Por ela aspira toda a humanidade. A esperança é a virtude que nos coloca a caminho, dá asas para continuar, mesmo quando os obstáculos aparecem. A nossa comunidade humana traz, na memória, e na carne, os sinais das guerras e conflitos que têm vindo a suceder-se, com crescente capacidade destruidora, afetando, especialmente, os mais pobres e frágeis. Há nações inteiras que não conseguem libertar-se das cadeias da exploração e da corrupção que alimentam ódios e violências. A muitos homens e mulheres, crianças e idosos, ainda hoje se nega a dignidade, a integridade física, a liberdade – incluindo a liberdade religiosa – a solidariedade comunitária, a esperança no futuro. Na realidade, toda guerra se revela um fratricídio que destrói o próprio projeto de fraternidade, inscrito na vocação da família humana.

Muitas vezes, a guerra começa pelo fato de não se suportar a diversidade do outro, que fomenta o desejo de posse e a vontade de domínio. A guerra nutre-se com a perversão das relações, com as ambições hegemônicas, os abusos de poder, com o medo do outro e a diferença vista como obstáculo; e simultaneamente alimenta tudo isso.

A paz e a estabilidade internacional são possíveis só a partir duma ética global de solidariedade e cooperação ao serviço dum futuro modelado pela interdependência e corresponsabilidade na família humana inteira de hoje e de amanhã. Devemos procurar uma fraternidade real, baseada na origem comum de Deus e vivida no diálogo e na confiança mútua. Os sobreviventes das várias guerras contam-se entre aqueles que mantêm viva a chama da consciência coletiva, testemunhando às sucessivas gerações, o horror e os sofrimentos indescritíveis que se seguem aos conflitos. Essa mesma memória é também horizonte de esperança.

Muitas vezes, na escuridão das guerras e conflitos, a lembrança dum pequeno gesto de solidariedade recebida pode inspirar opções corajosas e até heroicas, colocando em movimento novas energias e reacendendo nova esperança nos indivíduos e nas comunidades. É preciso sempre fazer apelo à consciência moral e à vontade pessoal e política. A paz reside no mais fundo do coração humano. A paz é caminho que se percorre juntos, procurando o bem comum, comprometendo-se a manter a palavra dada e a respeitar o direito. Na escuta mútua, crescem também o conhecimento e a estima pelo outro, ate ao ponto de reconhecer no inimigo o rosto de um irmão.

A Bíblia, particularmente através da palavra dos profetas, chama as consciências e os povos à aliança de Deus com a humanidade. Trata-se de abandonar o desejo de dominar os outros e aprender a olhar-se mutuamente como pessoas, como filhos de Deus, como irmãos. Somente escolhendo a senda do respeito é que será possível romper a espiral da vingança e empreender o caminho da esperança. Aprender a viver no perdão aumenta a nossa capacidade de nos tornarmos mulheres e homens de paz.

O que é verdade em relação à paz na esfera social, é verdadeiro também no campo político e econômico, pois a questão da paz permeia todas as dimensões da vida comunitária; nunca haverá paz verdadeira, se não formos capazes de construir um sistema econômico justo.

Vendo as consequências da nossa hostilidade contra os outros, da falta de respeito pela casa comum e da exploração abusiva dos recursos naturais – considerados como instrumentos úteis apenas para o lucro de hoje, sem respeito pelas comunidades locais, pelo bem comum e pela natureza – precisamos de uma conversão ecológica. Este caminho de reconciliação inclui também escuta e contemplação do mundo que nos foi dado por Deus, para fazermos dele a nossa casa comum.

De fato, os recursos naturais, as numerosas formas de vida e a própria Terra foram-nos confiados para ser cultivados e guardados também para as gerações futuras, com a participação responsável e diligente de cada um. A conversão ecológica leva-nos a uma nova perspectiva sobre a vida, considerando a generosidade do Criador que nos deu a Terra e nos chama à jubilosa sobriedade da partilha. Esta conversão deve ser entendida de maneira integral, como uma transformação das relações que mantemos com o semelhante, com os outros seres vivos, com a criação na sua riquíssima variedade.

O caminho da reconciliação requer paciência e confiança. Trata-se de acreditar na possibilidade da paz, de crer que o outro tem a mesma necessidade de paz que nós. Nisto, pode-nos inspirar o amor de Deus por cada um de nós, amor libertador, ilimitado, gratuito, incansável. A cultura do encontro entre irmãos rompe a cultura da ameaça.

Torna cada encontro um dom do amor generoso de Deus. Faz-nos ultrapassarmos os limites de nossos horizontes estreitos, procurando sempre viver a fraternidade universal, na condição de filhos do único Pai celeste. Dia após dia, o Espírito Santo sugere-nos atitudes e palavras para nos tornarmos artesãos de justiça e de paz.

  • Padre Charles Borg é vigário-geral da Diocese de Araçatuba. 
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