Miguel passa fome! Aos prantos, um garoto de 11 anos de idade, ligou para a polícia, no dia 02 de agosto, e pediu socorro: “minha mãe está chorando, e eu estou com fome”! Segundo noticiado, achando tratar-se de maus tratos, a polícia foi verificar e certificou a veracidade do dramático apelo. No barraco onde Miguel mora, naquela manhã, na cidade de Belo Horizonte, havia somente fubá e farinha! É a desumana realidade de milhões de brasileiros que, cronicamente, sofrem de insegurança alimentar. Curioso, articulistas e jornalistas nem usam mais o verbete fome. Preferem o eufemismo “insegurança alimentar”, quiçá para suavizar a imoral falta de sensibilidade. Sim, é inadmissível aviltamento, num país que se ufana ser celeiro do mundo, que ostenta gordos balanços comerciais advindos da comercialização de grãos, contabilizar milhões de famílias, crianças inclusive, passando fome – ops, desculpem, sofrendo de insegurança alimentar!
É sabido que a alimentação, saudável e adequada, nos primeiros anos de vida impacta no desenvolvimento da pessoa, tanto no condicionamento físico, como na capacitação cognitiva. Criança com fome não consegue prestar atenção, encontra dificuldade para memorizar, fica lerda na leitura. De acordo com estatísticas oficiais, apenas 26% das crianças entre 2 anos e 9 anos, no Brasil, têm acesso a três refeições por dia. Situação calamitosa com previsíveis impactos trágicos para o futuro. Com fome, criança não consegue estudar, não evolui intelectualmente. Vê-se obrigada a trabalhar, ou a mendigar, na tentativa de conseguir alguns adicionais trocados para mitigar a assombração da fome. Sem educação, não somente o futuro da criança fica prejudicado, como também, por óbvio, o sustentável progresso do país. A insuficiência alimentar provoca efeito cascata nas diversas camadas sociais e agrupamentos coletivos do país. Emerge natural conclusão, a fome das crianças não pode causar angústia somente nos pais, mas é ingente desafio para a nação inteira.
Sobre os governos, nos diferentes níveis de administração, recai a gravíssima responsabilidade de enfrentar o flagelo. Vale prestar atenção, na atual campanha política, quem dos candidatos, tanto para o executivo como para o legislativo, mostra-se genuinamente empenhado em resolver de forma consistente a cruel situação da fome. Sabe-se que as medidas emergenciais, de pontual alívio, certamente, servem, todavia e muitas vezes, como palanque eleitoral, sujeitos, inclusive, a desvios e manipulações. Candidatos que ignoram, ou pior, que se aproveitam deste gravíssimo suplício não merecem ser sufragados.
A insegurança alimentar, contudo, não é somente questão ética. É assunto moral. O cidadão, particularmente o cristão, é convocado, em razão do seu batismo, a tomar posição diante do desumano sofrimento. Reconhece-se a mobilização de muitas comunidades em ingentes mutirões de solidariedade. Toneladas de alimentos são regularmente arrecadadas e distribuídas entre famílias carentes. Lamenta-se, porém, o persistente modelo de estruturas sociais injustas e excludentes, origem crônica de tamanha miséria. A insuficiência alimentar se enquadra perfeitamente no que se costuma definir como “pecado social”, culpa coletiva pela ação ou pela omissão. A produção local de alimentos deve destinar-se prioritariamente para nutrir nativos. Colocar o lucro como referência prioritária no quesito alimento é desumano! É imoral! Compreende-se, o assunto é complexo. Demanda diversas abordagens. Justificar, ou mesmo resignar-se passivamente, à lógica do mercado, porém, é tornar-se cumplice de um sistema iníquo e perverso. Peca-se também por omissão!
A fome de milhões de “migueis” brada aos céus! Ética e moralmente imputável é a fome! Indispensável é continuar com os mutirões solidários! Urge, todavia, paralelo empenho cívico e político para reformar injustas estruturas e humanizar excludentes mercados! Deplorável vergonha é a fome!