Envelope, artigo do padre Charles Borg

“A certeza da imortalidade consola”! Na liturgia cristã, o ritual de exéquias é integralmente configurado pela virtude da esperança. No contexto cristão, a virtude da esperança não indica atitude passiva, tipo a resignada e inativa pausa do cidadão aguardando a passagem do coletivo. Tampouco indica a fantasiosa torcida de quem sonha ganhar na loteria. No contexto cristão, a virtude da esperança representa a inabalável convicção da realização de uma fundada aspiração. Na liturgia cristã das exéquias, o foco principal não é a morte, mas a imortalidade da ser humano.
Na perspectiva cristã, a morte não representa o fim de uma existência. Indica a transição – páscoa – para uma nova dimensão da existência. Esta convicção encontra-se enraizada na fé na ressurreição do Senhor Jesus, a ponto de os místicos definirem a morte como um novo nascimento: nascimento para a eternidade, o real destino da existência humana.
O crente fundamenta sua fé no destino eterno da vida no mistério da ressurreição do Senhor Jesus Cristo. Na perspectiva deste mistério é que se compreende a vida, a obra e o ensinamento de Cristo. Sua vitória sobre a morte confirma o conjunto de sua jornada missionária como também sustenta a revolucionária proposta de uma civilização baseada no amor incondicional, na justiça redentora e no perdão generoso.
Os valores do evangelho desafiam a contabilidade auditável da cultura consumista. Ao transformar esses valores em seu programa de vida, o crente oferece ao mundo cético, como atitude de serviço, o mais poderoso argumento a favor da dimensão eterna da existência humana. A razão sempre encontra argumentos para contestar verdades dogmáticas. Mas se vê incapaz de desqualificar gestos de desinteressada bondade para com o próximo. A fé na eternidade não dopa o crente. Tampouco o aliena da dura realidade do cotidiano. Ao contrário, o mergulha com tamanha intensidade na lida cotidiana, a ponto de anima-lo a viver cada instante, por mais insignificante que possa aparecer, da maneira mais plena. Na dimensão da eternidade, nenhuma ação é fútil. Nenhuma iniciativa é inconsequente.
Emerge, quase que naturalmente, a explicação para tanto tédio que tortura, ciclicamente, a inquieta alma humana. Em especial, a frágil e delicada sensibilidade do jovem. Se, de um lado, existe a natural inclinação para o bem, depara-se com o constrangedor sucesso de gente desonesta. Ao contrário da maldade, que gera nefastas e imediatas consequências e é largamente divulgada, gestos de bondade passam desapercebidos, comportamento responsável e honesto é satirizado, iniciativas de pacificação ridicularizadas, definidas como utopias! Miragens de delirantes alienados! Nasce espontânea a sensação de descrença no bem. Sim, muita gente está cansada de ser correta. Não enxerga vantagem em portar-se honestamente! Muita gente, jovens em particular, está ficando desiludida com a humanidade. Alastra-se a desesperança, a moléstia mais terrível a ameaçar a existência humana! Pelo medo assaltado, o ser humano estagna. Encolhe-se. Rareia a alegria de viver!
A fé na imortalidade induz a valorizar cada momento, cada gesto, independente da imediata repercussão. Na jornada da vida, importa cada passo para frente, independentemente do tamanho e da velocidade. A fé na dimensão eterna da vida induz a acreditar, serena e firmemente, na supremacia do bem sobre o mal, do amor sobre a indiferença, do perdão sobre o ressentimento. A fé na ressurreição empurra a caminhar sempre em frente, como se estivesse depositando num envelope toda boa ação na certeza que chegará ao destino desejado. A morte não tem a última palavra! O mundo, cínico e cético, necessita, com urgência, desta esperança! O ser humano quer viver! É bom estar vivo! A vida tem sentido!
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