Samaritanos, artigo do padre Charles Borg

Díspares reações provoca o terremoto na Turquia. O cético cutuca o crente, questionando a declamada onipotência divina e a enaltecida bondade do Criador. Se Deus fosse tão bom como professa o crente, por que permite que inocentes morrem de maneira tão cruel? Por sua vez, o crente, ciente que sinistros contratempos são inevitáveis na rotina humana, foca outro aspecto; busca saber o que Deus espera dele em situação de tamanha calamidade. Ato contínuo, se adestra para prestar socorro às vítimas. Nem tudo se explica na contingência da vida. Nem por isso, porém, se justifica assistir a tudo passivamente. Tragédias, como o abalo sísmico na Turquia e na Síria, escancaram a patente vulnerabilidade da existência humana. A vida se assemelha a um sopro, esvai como uma sombra. No mundo, o ser humano transita como um peregrino, condição, inevitavelmente, incerta.

Nesta condição volúvel, emerge outra básica verdade: a imperiosa necessidade de solidariedade entre os caminhantes. Pelo fato de a existência humana ser tão precária, constantemente sujeita a imprevistos, urge cultivar o espírito de colaboração universal. Fatal ilusão imaginar ser possível alcançar, isolado, a meta. O ser humano precisa do semelhante. Lamenta-se ser necessária catástrofe desta magnitude para que a humanidade desperte para a urgência do espírito comunitário. O legítimo desespero em salvar vidas induz a tomar consciência da imensa reserva de energia que se acumula quando se trabalha articulado e em sintonia com o semelhante. Somem as fronteiras geográficas e étnicas. Superam-se as barreiras sociais e religiosas.

É o ser humano vivo que importa, independente da cor da sua pele, do idioma que fala, da ideologia que segue! Graças a esforços coletivos, heroicos alguns, vidas são salvas. E a cada vida resgatada, prorrompem emocionados clamores de júbilo. Sem dúvida, a vida é o dom maior!

Salta indigesta constatação: se é a universal cooperação que garante a sobrevivência de tanta gente ferida, conclui-se que a razão porque milhões de outras pessoas, espalhadas pelo mundo, continuarem padecendo humilhantes misérias e passando por desumanas privações deve-se à insensível indiferença e ao cruel descaso. O grande pecado da atual cultura responde pelo nome de indiferença. Muitos se isolam na passividade, consolam-se na inoperante resignação.

Está evidente, a compaixão combina mais com o jeito humano de ser do que a desalmada indiferença. É na cultura de compaixão comprometida que se deve investir, não em armas de destruição. Lições de solidariedade devem ter preferência sobre aulas de ideologia sectária. Laboratórios de fraternidade universal devem ser patrocinados, não escolas de nacionalismo bitolado, disfarçado, não raramente, em credo religioso. Formação em economia solidária gera mais progresso humanitário que investimentos especulativos. Urge mudar a chave, libertar-se do subjetivismo hedonista e revestir-se do credo da cooperação solidária. Que seja norma o zelo cooperativo, não exceção. A mútua colaboração, uma regra de vida, não pontual iniciativa!

Quem sofre dispensa explicações. Colocar tragédias na conta divina é oportunista distorção! Quem sofre quer ajuda. Clama por socorro. E Deus demanda de seus filhos que, como bons samaritanos, ajam, acudam, assistam, amparem!

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