Artigo do vigário-geral, padre Charles Borg: “Black Lives Matter”

Em Parelheiros (sp) e Minneapolis (usa) a mesma cena. Chocante, covarde, repugnante! As semelhanças entre os episódios são tão estarrecedores quanto revoltantes. Dois policias de pele clara, pisam sobre o pescoço de cidadãos negros. Pisar no pescoço de um cidadão dominado já é atitude de insana selvageria. Quando esta pessoa dominada é mulher e negra, o gesto adquire contornos de covarde brutalidade. Felizmente, o desfecho em Parelheiros não foi tão trágico quando o de Minneapolis. O substrato cultural, porém, que emerge dos registros é o mesmo: a persistência de uma mentalidade racista e preconceituosa, injusta e humilhante.

O comentário de um jornalista escancara, com mordaz crueza, a infâmia que emerge da preconceituosa mentalidade: queria ver um policial desses, pisar no pescoço de um conhecido empresário branco no bairro do Alphaville! Bater em pobre e negro parece ser a regra do jogo, completou o articulista! As autoridades locais reagiram com indignação, classificando o episódio como repugnante e reiterando que a missão principal do policial é proteger e defender vidas.

A recorrência de inaceitáveis episódios como estes, pelo mundo afora, denuncia a persistente mentalidade racista, sútil e camuflada! Os fatos falam por si! Negar a existência desta mentalidade serve somente para postergar a adoção de medidas educativas, corretivas e renovadoras. São centenas de anos de sofrimentos e traumas gerados por um colonialismo predador, prepotente e violento. A sistêmica dominação e exploração do negro não somente minou a inerente dignidade da sua pessoa, como contribuiu decisivamente para gerar situações permanentes de inferioridade social e de pobreza cultural e econômica.

É mais do que hora de encarar a questão racial com coragem e honestidade. Mudanças de atitudes demandam como pressuposto o reconhecimento do erro! Admitir falhas é o primeiro passo para uma consistente regeneração. A cura e a redenção pressupõem, como indispensável ponto de partida, um sincero sentimento de arrependimento e um igualmente autêntico pedido de perdão. Sim, a sociedade de pele branca precisa pedir perdão pelos ultrajes cometidos contra os negros!

A declaração universal dos Direitos Humanos consagra a igualdade radical entre pessoas de todas as raças. Na moral cristã, esta verdade adquire dimensão transcendente, uma vez que se professa que todas as pessoas são criadas à imagem e semelhança divinas. Nosso Senhor Jesus Cristo reafirmou esta verdade pétrea em termos ainda mais contundentes quando declarou que tudo o que é feito ao menor dos irmãos, ele considera como feito a si.

Pisar no pescoço de uma pessoa – seja de que raça for – é pisar no pescoço do Filho de Deus! Violência arbitrária nunca se justifica. Torna-se abominável quando motivada por sentimentos notoriamente racistas. O viés racista despe o negro de sua inata dignidade e alimenta na sociedade divisões e tratamentos diferenciados.

A comunidade cristã carrega uma singular responsabilidade nesta tarefa redentora. Revestida do autêntico espírito evangélico, que impõe não coadunar com omissões nem compactuar com neutras indiferenças diante de injustiças, a comunidade dos discípulos de Jesus sente-se convocada para marcar presença nesta dolorosa realidade. Configurada pelo primário preceito da caridade fraterna, possui como vocação inalienável purificar o convívio entre pessoas e elevar o nível de relacionamentos entre cidadãos.

Na condição de seguidores de Jesus Cristo, os cristãos sentem-se conclamados, por vocação, a se reeducar e educar os outros na sublime tarefa de respeitar e reverenciar a vida do próximo, todo próximo, não importa a cor da pele! Foro privilegiado a Igreja é onde claramente transparece que BLACK LIVES MATTER!

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