Hóspede, artigo do padre Charles Borg

Anda-se de sobressaltos! Mexe com todo tecido social a assombrosa sensação de incerteza. Esta compreensível ausência de condições de organizar uma agenda e assegurar um fluxo de trabalho tranquilo gera tensão. O futuro próximo suscita medos e dúbios. Se de fato existisse, Deus pouparia a humanidade de tantos flagelos, provocam os céticos. Ora, nem sempre os pais são culpados pelos sinistros que eventualmente machucam os filhos! Se depender dos pais, nenhum mal se abateria sobre os filhos! Nunca! Se depender de Deus, nenhuma desgraça, particularmente provocada por maldade, prostraria o ser humano.

Jesus Cristo, a mais autêntica manifestação do providente amor divino, prometeu estar permanentemente presente e atuante no mundo. Ao nascer em Belém, o Senhor Jesus entrou na história da humanidade de forma irreversível. E na condição de protagonista. Encarnou-se para reajustar condutas e com isso mudar a história. Seguiu, e propôs adotar, receita simples e impactante: colocar o ser humano como centro inalienável de interesses. Esse estilo de vida, por óbvio, não é algo a acontecer de maneira automática. Assim como é preciso afastar as cortinas para permitir a entrada da luz do sol, é preciso, igualmente, aderir com determinação ao projeto de vida proposto pelo Mestre, para que de fato o rumo da história se altere.

O tempo litúrgico do Advento representa solene convocação para que se ingresse nesse processo educativo que incita colocar a pessoa humana como referencial de todas as atividades! Ao evocar o histórico nascimento em Belém, a Igreja não se contenta em apenas lembrar este extraordinário acontecimento. Insta os fiéis a mergulharem no mistério da Encarnação: o original e providente amor de Deus por uma humanidade enferma, refém de seus próprios preconceitos e necessitada urgentemente de cura e de libertação. Jesus entrou na história humana com este singular propósito: devolver ao ser humano seu original protagonismo.

Crer no mistério da Encarnação representa aderir a este projeto restaurador. Ao crente cabe tornar visível a oculta, mas real, presença do Restaurador. Sobre os discípulos recai esta preciosa tarefa, pavimentar o caminho para que o Senhor possa ser reconhecido e acolhido como o desejado restaurador da humanidade.

O evoluído mundo moderno insinua a total falta de importância de Deus! Predominantemente pagão é o estilo de vida de muitos, crentes inclusive. Confessa-se crer em Deus, mas mínima é a ressonância dessa fé nas escolhas do cotidiano. Vive-se sem Deus! A tecnologia ajuda a encaminhar satisfatoriamente várias situações da vida, mas tem se mostrado dolorosamente deficitária em promover relações humanas dignas e éticas. Não são poucas as circunstâncias quando o próprio progresso é motivo de sofrimento para indivíduos e nações. Fabulosos avanços tecnológicos e científicos são manipulados para destruir gente e ambientes. Charles Chaplin já pressentiu esta realidade ao declarar, dezenas de anos atrás, que antes de tecnologia necessita-se de mais humanidade!

Triste paradoxo a confirmar a traumática desconfiança que aflige o Homem! O ser humano tem medo do semelhante. Prisioneiro dentro de muros por ele mesmo construídos, prefere manter-se enclausurado. Virtualmente conectado, experimenta doloroso isolamento. Tecnologicamente globalizado, amarga torturante solidão. Neste cenário, cheio de cruéis paradoxos, compreende-se porque o futuro gera medo e incerteza. Compenetra-se ainda mais da urgência de um remodelado regime de vida, capaz de garantir qualidade às relações humanas e dignidade aos indivíduos.

Ao celebrar o Natal, a família cristã reafirma sua fé na real e atuante presença do Filho de Deus que entrou na história para aproximar pessoas. E abolir todos os medos. É real a esperança de um mundo sem males! Auspiciosa promessa a tornar-se realidade a partir do instante quando se decide, com determinação, acolher o Cristo Jesus como hóspede distinto. Na companhia deste divino hóspede legitimo é sonhar de novo!

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