Montanhas sempre são montanhas! Foi com esta observação que o diretor espiritual respondeu ao jovem que lhe indagou o que pode a fé mudar na vida de uma pessoa. Embora as montanhas sejam sempre montanhas, a maneira de as enxergar depende da lente do mirante. Para o alpinista indeciso, a montanha representa uma ameaça. Para o experiente, superação! A elementar alerta serve como preciosa referência no recomendável balanço de final do ano. Em particular para este ano tornado especialmente atípico pelo inesperado surgimento da pandemia e seu agressivo e fácil alastramento.
A Covid-19 mexeu com todas as áreas da vida, transformando rotinas e alterando costumes. Ironicamente, esta radical mudança de hábitos proporcionou, à mentes críticas, oportunidade impar para uma objetiva avaliação de rumos e preferências. As abstinências variadas alteraram convívios familiares, profissionais, sociais e religiosos. Repentinamente, cada cidadão viu-se forçado a reavaliar prioridades. Vidas marcadas por frivolidades desmoronaram. Muitos se viram confusos, ficaram irascíveis. Registrou-se excesso de violência doméstica. Famílias desintegradas. Cresceu o número de depressivos. A fé de muitos esfriou, refugiados na desculpa da abstinência litúrgica. Para outros, e pelo mesmo motivo de abstinência litúrgica, a fé resvalou em pieguices ou em reclamos para uma imprudente volta à celebrações presenciais! Como se, em casa pegando fogo, rezar fosse o correto.
Objetiva e transparente análise, contudo, induz a concluir que a pandemia, apesar das sinistras e terríveis sequelas, não possui potencial para mexer com o essencial da vida. Ao contrário, presta sobremaneira para redefinir prioridades. Ao avaliar o ano, legitimo se faz analisar se houve amadurecimento e progresso nas rubricas que definem o essencial no conjunto da existência. Evoluiu, apesar da pandemia, quem reequilibrou seus sentimentos afetivos no âmbito de família. Aproveitou para redimensionar o relacionamento com os filhos e redirecionar o grau de envolvimento com suas atividades, tanto escolares como sociais. Progrediu o empresário que investiu em encontrar novos campos de produção, salvando empregos e garantindo salários.
Positiva avaliação registra quem reencontrou-se com a virtude da solidariedade. A existência acusa um salto de qualidade quando se compreende a destinação coletiva de bens, qualidades e aptidões. Aprovada se julga a pessoa se superou a indiferença e compenetrou-se da urgência de aplicar-se em ajudar e socorrer, não apenas de forma pontual, mas como exigência ética. Avança na rubrica ética, o cidadão que assumiu zelar pela saúde do semelhante, respeitando protocolos de distanciamento, de higiene e de proteção, desafiando a difusa e cínica sensação de que, no Brasil, somente otários observam regras!
Na rubrica fé, superou-se quem soube transformar a abstinência litúrgica, imposta pela pandemia, em alternativos exercícios de progresso espiritual, de indiscutível eficácia e comprovada piedade. O imperativo de manter viva a comunhão com Deus não se preenche somente com celebrações presenciais. Em situações de emergência, busca-se alimentar a comunhão com o divino com a assídua leitura e aplicada meditação da Palavra.
Aproveitam-se as alargadas pausas na agenda para ampliar o conhecimento das verdades da fé. Inúmeras foram as celebrações virtuais, diversas as iniciativas catequéticas preparadas e executas com denodo e criatividade. Feliz quem conseguiu inovar e proporcionar novas formas de evangelização. Superou-se quem soube delas se aproveitar, reencontrando-se com a riqueza e a beleza da liturgia, revigorando sua inserção na vida da comunidade.
A pandemia emergiu como indesejada montanha no ano 2020. Resignado, o alpinista indeciso contabiliza frustrações e lamentos. Ano perdido! Superado o impacto inicial, o alpinista experiente intuiu que mesmo em situações difíceis, opções são sempre possíveis. Ciente de suas potencialidades, refletiu, reavaliou e resolveu requalificar-se. Ano fecundo! A montanha é a mesma. O que muda é a perspectiva!
FELIZ ANO NOVO!