Abandonar atalhos, artigo do padre Charles Borg

Quaresma inspira olhar para frente! A proposta fundamental do presente tempo litúrgico da Quaresma insiste em convencer o fiel a inserir-se na celebração da Páscoa do Senhor. Celebra a ressurreição de Jesus quem emerge com Ele nova criatura.

O itinerário quaresmal visa motivar o batizado a renovar sua identidade de filho de Deus, tornando, consequentemente, mais impactante a condição de irmão dos irmãos batizados em Cristo Jesus! Mesmo o fiel praticante, ao analisar com objetividade sua vivência religiosa, conclui que, não raramente, algumas de suas práticas primordiais espirituais são realizadas mais por força de hábito que por íntimo envolvimento. Entretido com alienações e superficialidades, o fiel acaba se conformando a uma rotina religiosa que lhe diminui o entusiasmo espiritual e lhe empana o brilho do discipulado. O tempo litúrgico da Quaresma é realmente tempo favorável porque busca despertar a chama da fé, reconduzindo o batizado ao caminho original do seguimento de Jesus. É tempo de deixar de lado atalhos e retornar à pista principal do caminho da fé.

Exercício indispensável na peregrinação quaresmal em direção à plena celebração da páscoa do Cristo é a meditação da Palavra do Senhor. Ensinam os mestres de espiritualidade que a Quaresma representa convite explícito que o Senhor Jesus dirige a seus discípulos para um encontro exclusivo.

Em seu tempo de Palestina, Jesus habitualmente convocava seu grupo para retiros pontuais, quando aproveitava para lhes explicar melhor seus ensinamentos como também para ouvir seus comentários. Momentos outros houve quando Jesus retirava indivíduos da multidão para lhes falar a sós. Nada de novo na praxe, mas tudo novo a partir da experiência! Sólidos vínculos se constroem e se fortalecem a partir de autênticos e transparentes encontros interpessoais. Reconhece-se que o ritmo agitado dos tempos modernos pouco espaço deixa para este tipo de encontro, em especial, no campo espiritual. Razão maior para incluir essa experiência no rol das principais “penitências” da Quaresma. É preciso, no ritmo atual da vida, muita determinação para separar tempo para um encontro exclusivo com o Senhor! É necessária convicta renúncia para concentrar-se num diálogo franco com o Mestre Jesus.

Emerge ser o tempo da Quaresma uma escola de ascese não somente no campo individual, mas também na dimensão coletiva, no aspecto eclesial. A disciplina quaresmal tradicional insiste quase que exclusivamente em práticas penitenciais individuais, como se cada batizado vivesse isolado. Elementar lembrar que é na condição de integrante da família de Deus que se participa da peregrinação quaresmal. Progride-se na comunhão com Cristo na mesma medida em que se aproxima mais fraternalmente dos irmãos e irmãs na comunidade. Aspecto outro este que urge resgatar, mormente na cultura moderna que teima em passar a ilusão da autossuficiência. Não há vida saudavelmente segura sem convívio social.

Não há, igualmente, espiritualidade robusta e fecunda sem consciente e efetiva inserção na vida comunitária. Religiosidade segregada e individualizada gera ambígua espiritualidade. Ramo destacado da videira, insiste Jesus, seca e morre. Eis outra indispensável “penitência” que emerge naturalmente: intensificar a inserção na vida comunitária da família religiosa.

A genuína mística da quaresma inspira mais a ação que a privação! Menos foco em mortificações individuais e maior prontidão para obras de misericórdia! Urge abandonar atalhos e retornar à pista principal da espiritualidade evangélica. Evangélica penitência edifica!

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