Por padre Charles Borg*
Época de festas! O clima de descontraídas confraternizações caracteriza este período de fim de ano. Admitem-se como inevitáveis excessos e desperdícios. Por conta dessas extravagâncias, não são poucos os que consideram as festas de fim de ano inapropriadas e até anticristãs. Afinal, não seria indecente alegrar
-se enquanto milhões de pessoas passam necessidades básicas e privações humilhantes?
Seriam essas festas profanas a maneira mais apropriada para glorificar a Deus pelo nascimento de seu Filho? É justo observar que o evangelista Lucas emoldura de alegria sua narrativa envolvendo o nascimento de Jesus. Destaca a alegria de Isabel e Zacarias ao perceberem atendido seu anseio por uma prole: a concepção e nascimento de João Batista.
É com saudação de alegria que o anjo Gabriel se dirige a Maria ao lhe anunciar ter sido ela a escolhida para ser a mãe de Jesus, que vem para salvar a humanidade. É com palavras jubilosas que os anjos anunciam aos pastores o nascimento do Salvador, deitado numa manjedoura, envolto em panos.
O nascimento de Jesus, sob o ponto de vista bíblico, está envolto totalmente em clima de euforia. Esta alegria, todavia, repousa num dado fundamental: o Filho de Maria nasce como Salvador da humanidade! Nasce o Homem com a missão de tirar a humanidade da situação de sofrimento e desesperança em que se encontra! Os tempos, tanto na época de Jesus como agora, são difíceis.
Além das calamidades naturais a afligir o ser humano, depara-se também com a terrível maldade – pecado original – do ser humano abusar e desrespeitar, de variadas formas, o seu semelhante. Embora esse tipo de comportamento não seja propriamente recente, contudo, o desrespeito para com o semelhante adquire em nossos tempos dimensão assustadora e, não raramente, criminosa. Difunde-se ainda a postura de enxergar como próximo apenas e tão somente o cidadão que de alguma maneira proporciona pontuais e imediatas vantagens.
Por cruel coerência, ignoram-se, sem maiores cerimônias, pessoas que, ou não são consideradas úteis ou que supostamente atrapalham as zonas de conforto. Justificam-se abortos, reivindicando ambiguamente o direito da mulher sobre o próprio corpo, relegam-se doentes e idosos ao ‘abrigo’ de casas de repouso porque não se tem tempo para deles cuidar decentemente. Dispensam-se funcionários sem maiores considerações alegando reestruturações e invocando maior produtividade. A lista de descasos e desconsiderações para com o ser humano é lamentavelmente longa e cruel! Com o objetivo de corrigir essas infames distorções, Jesus nasce e assume integralmente a condição humana.
Cristo levou esperança por onde andou justamente porque soube dar atenção ao ser humano, em especial ao que mais a sociedade ignora e desconsidera. Ele foi motivo de alegria e de esperança. E determinou que sua memoria fosse preservada justamente pela atenção e pelo respeito que devem ser oferecidos a cada ser humano, precipuamente por ser humano!
Ao insistir na fraternidade e solidariedade que devem existir entre a s pessoas, e que devem ser a tarefa primordial de quem se apresenta como seu seguidor, Jesus lembra a mais elementar verdade que deve estar na mente e no coração de cada pessoa: somos todos interligados. Ilusão crassa imaginar que alguém, ou alguma classe, pode ser feliz enquanto permanecer de costas ou indiferente para as necessidades de seu semelhante. Amplamente justificável é a alegria na celebração do Natal de Jesus Cristo!
Nasce o Homem que vem reconduzir a humanidade ao rumo certo do respeito e da consideração pelo semelhante! Esta alegria nada tem com riso nem gargalhada. Nem necessariamente depende de fartas ceias, embora não as exclua. Repousa fundamentalmente na serena certeza da vinda do Salvador, o Homem que veio restituir a dignidade e reorientar a humanidade a andar pelo caminho do respeito e da solidariedade!
Padre Charles Borg é vigário-geral da Diocese de Araçatuba e pároco da Paróquia Santo Antônio de Pádua, na mesma cidade.