Antídoto, por padre Charles Borg

Contra Covid-19 já tem vacina! Contra o egoísmo ainda não! Dói na alma de toda pessoa de boa vontade a informação sobre as várias tentativas de furar filas, procurando garantir imunidade para si e para os seus, ignorando legitimas precedências e ferindo o mais elementar sentimento de decência. Insulto mesquinho aos profissionais de saúde, e seus auxiliares, que tão bravamente lutam para salvar vidas. Igualmente reprovável a atitude de redes particulares solicitando comprar vacinas para garantir prevenção a grupos seletos de pessoas. O escandaloso egoísmo que persiste evidente denuncia mentes desorientadas e consciências anestesiadas, capazes de iniciativas antiéticas e de escolhas imorais, como também de equivocada noção de segurança. Crassa ilusão imaginar criar bolhas de segurança seletivas diante de um agressor que a todos ameaça indiscriminadamente.

Ou todos se salvam juntos ou todos perecem juntos! Está evidente que, por enquanto, não há vacina disponível para todos. Gestores sanitários, no campo internacional e local, estudam e propõem escalas de vacinação, com o intuito de frear com sábia ordem e eficaz logística a fúria do contágio. Quando, finalmente, surge uma luz a suscitar esperança, novamente o egoísmo humano se faz presente para ofuscar o brilho! Bem descreve o salmista: é um abismo o coração do homem!

O egoísmo não se cura por decreto. Nem por códigos disciplinares! O egoísmo se cura com caráter! Integridade é virtude que se molda paulatinamente na pessoa com exemplos de vida e reta educação, com formação constante em princípios éticos transcendentes e disciplina vigilante em valores morais inegociáveis. Funda-se nos inalienáveis princípios da intrínseca dignidade de cada ser humano e no caráter essencialmente comunitário da raça! Pelo simples fato de existir, cada ser humano carrega inalienável dignidade que exige reverência. Quando, então, a consideração passa a ficar atrelada a valores externos e volúveis, ignorando a inviolável dignidade, abrem-se atalhos para injustos privilégios e arbitrárias exclusões.

Processos seletivos baseados em convencional hierarquia esgarçam o tecido coletivo da família humana e contribuem decisivamente para criar divisões e rivalidades. O egoísmo corrói qualquer tipo de associação. A difusa mentalidade do “eu primeiro, danem-se os outros” mina a possibilidade de justo e harmonioso convívio. Altera radicalmente a escala de valores e as referências de relacionamentos. Debocha da emergente cultura do cuidado, referência fundamental para um convívio decente!

A persistência no caminho da indiferença levará fatalmente a humanidade a um colapso moral com trágicas consequências sociais. No país, o vocabulário continua cristão, as escolhas, porém, pagãs! Neste perigoso descompasso, tudo passa a ser válido tanto para quem retém poder como para quem se apercebe ignorado e fraudado.

A pandemia, apesar de seus reflexos trágicos e negativos, está servindo para despertar a humanidade de seu torpor e da sua dissimulada hipocrisia. O homem é um ser frágil, vulnerável diante de vírus e vícios. Dotado, contudo, de enormes possibilidades de resiliência e formidáveis capacitações para superação. De vícios, sanitários e éticos, se alimenta o vírus! Da sábia combinação entre vacina e caráter, surgira potente antídoto contra o vírus, vetor de próspero e solidário convívio.

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