Cassandras, artigo do padre Charles Borg

Sobe a temperatura! A referência não é tanto a este estranho inverno no hemisfério sul. Nem ao escorchante sol no hemisfério norte! Envolve, particularmente, o debate e embate político que tende a ficar cada vez mais passional a medida que se aproxima o dia da eleição. Pelos discursos e publicações, em especial nas redes sociais, percebe-se o grau elevado de polarização que toma conta das mentes e dos sentimentos das pessoas.

Em ambientes apaixonados, todos falam e ninguém escuta! É onde repousa o maior perigo! Tem gente, de todas as cores, comissionada a alimentar, de forma intermitente, paixões e preconceitos com suspeitas informações, veladas insinuações e torpes acusações com o óbvio intuito de impedir que as pessoas parem, reflitam e filtrem o que ouvem, o que veem e o que leem. Imperiosíssimo se faz parar, analisar, filtrar.

Cada ser humano possui em seu íntimo um “quarto segredo” ao qual só o dono tem a chave de acesso. É pela frequência de visitas a este recesso que se mede a maturidade do sujeito. Pessoas há que tem medo de abrir a porta e adentrar o recanto. Receiam encontrar verdades indigestas, preconceitos interpeladores. Em rostos bonitos também nascem espinhas! Verdade seja dita, nada agradável é reconhecer defeitos. Razão porque muitos preferem manter o quarto trancado, no escuro, impedindo que a luz revele manchas que precisam ser limpas e entulhos que necessitam ser retirados. O equilíbrio da pessoa depende essencialmente da arrumação deste quarto segredo. É ali, na verdade, que a pessoa se encontra consigo mesma, se conhece do jeito que é, sem máscaras e sem maquiagens.

Se tiver suficiente hombridade, aplica-se em colocar ordem nos sentimentos e escala nas preferências, em espanar preconceitos e sacudir melindres. Tarefa dolorosa, não raramente. Igualmente comprometida, exigindo repetidas visitas ao quarto segredo. Indispensável, todavia, no processo de sereno discernimento e libertador amadurecimento.
Neste período político particularmente tenso e agudamente polarizado, urgente se faz recolher-se no sagrado silêncio do espaço segredo e analisar as próprias preferências. Ninguém é tão bonito que não tenha espinhas. Nem tão feio que não tenha nada que atrai. Hora é de os cidadãos conscientes diminuírem os debates e largarem os embates. Hora é de filtrar textos e conferir a veracidade de notícias antes de apressadamente as compartilhar. Muitas são as distorções. Muitos os discursos equivocados ou mesmo enviesados. A complexidade da atual realidade política, agravada pela exacerbada polarização, demanda madura ponderação e reflexiva análise. É sempre importante lembrar que o amor se torna maduro e, consequentemente, consistente, quando, mesmo reconhecendo falhas e limitações, entende que as virtudes excedem as falhas e as qualidades sobressaem às limitações.

Na mitologia, Cassandra era profetisa de desventuras, oráculo de infelicidades. Oportunistas, as novas e multifacetadas cassandras se aproveitam das paixões efervescentes próprias à campanhas pré-eleitorais, para semear pânico, medo e desconfiança. Contra os infelizes presságios, urge recolher-se ao recanto segredo e, com serenidade, filtrar e analisar.

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