Chama, artigo do padre Chares Borg

Natal é uma melancolia! Para muita gente, soturna é a época natalina. Não consegue enxergar, esse pessoal, razão para tanta descontração. Reputa tudo como fantasia, escape barato e curto das vicissitudes da existência. Não deixa de ser verdade que há muita simulação nos abraços de Feliz Natal. Como há também muito faz de conta nos votos de Feliz Ano Novo! Esse tipo de encenação agride corações sensíveis. E gera compreensível fastio. Outro tipo de decepção invade o coração de pessoas saudosistas. Ao lembrar as excitações da infância na montagem da árvore do Natal, no tenro envolvimento na armação do presépio, lamentam a lacuna que a perda da infantil inocência gerou em suas almas. Um vazio que nenhum tirocínio preenche. Julgam-se mais cultos, mas reconhecem-se mais cínicos, mais ácidos! Seria mesmo tão fútil a aura de inocente felicidade? Seria mesmo sem fundamento o difuso sentimento de esperança que marca a celebração do nascimento do Filho de Deus, salvador da humanidade?

Antiga releitura judaica da narrativa da criação, segundo o Gênesis, destaca como ação primária do Divino, a criação da luz! A divina luz se reflete em toda criatura e encontra no ser humano sua mais sublime expressão. A alma humana é centelha do brilho divino. Quando, no entanto, o ser humano decidiu desobedecer à orientação divina, perdeu o original fulgor. Sua existência ficou opaca. Seu olhar obscurecido! Sem reproduzir a luminosidade divina, o ser humano passou a multiplicar sombras. Criado para luzir, fosco ficou. Perdeu o rumo! Mesmo espessa, contudo, a cerração não foi suficiente a ponto de abafar por completo a centelha da luz divina. Tênue fagulha subsistiu incubada a espera de recuperar, nem que seja em parte, a original luminosidade. Esperança esta fundada na promessa de um Salvador, pronunciada imediatamente após o ato rebelde!

Fiel à sua promessa, o Criador, no tempo estabelecido, enviou seu Filho único a tomar forma humana no ventre de Maria, com a explícita missão de reacender na alma humana a latente faísca de luz, abafada pela desobediência. A celebração anual do Natal visa manter viva na humanidade a esperança de sempre ser possível recuperar o fulgor original. Sim, é possível resplandecer, aquecer, luzir, guiar. Em toda alma humana persiste a fagulha divina em compasso de ser reacendida! Não é sem motivo que uma das alegorias mais alentadas pelo Mestre de Nazaré é comparar os discípulos a luminárias, destinadas a clarear ambientes.

Celebra-se o mistério da Encarnação do Senhor Jesus Cristo com o explícito desejo de reacender na alma a luz original, meta possível a partir da opção de se deixar guiar pela luz do Senhor. Ao optar pensar como Jesus pensa e amar como Ele ama, a latente centelha recupera paulatinamente seu suave brilho, restaura a ordem e devolve a alegria à existência pessoal e, por irrefreável impulso, difunde claridade e harmonia até onde alcança. Uma única luz carrega o potencial de acender milhares de outras luzes. Treva alguma, por mais espessa e ameaçadora, resiste ao clarão de uma tênue luz!

Profundo sentido místico possui a serena felicidade que acompanha a celebração do nascimento do Senhor Jesus! Rico simbolismo alentador embute a decoração natalina que insiste na profusão de luzes, inspirada na singela coroa do Advento que semanalmente acresce uma luminária no ritual litúrgico. Advento é processo dinâmico, gestação espiritual, lento e progressivo avanço em direção à plena estatura de criatura luzente. Solitária chama, é verdade, vigorosa contudo, e com potencial de iluminar a muitos.

Ao se dividir generosamente, aquece e descontrai, sem nada perder do próprio brilho! Agarre a oportunidade e permita que o Menino reavive a suave chama incubada em sua alma! Depressivos melancólicos agradecem. Cínicos intelectuais se rendem!

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