Não se promove democracia com silêncio! A contundente afirmativa resume o consenso do Conselho de Bispos Católicos nos Estados Unidos. Naquele país, diante dos recentes acontecimentos envolvendo o assassinato de um militar iraquiano e outro recorrente ataque terrorista contra uma sinagoga local, um jornal católico digital convidou seus leitores a opinar sobre a conveniência de focar assuntos políticos em homilias dominicais. A participação dos leitores indica nítida preferência para que assuntos do cotidiano fossem, sim, abordados nos sermões da missa.
Os que se manifestam contrários alegam que sendo a política assunto de preferência pessoal, a abordagem desses temas pode tornar-se causa de divisões entre paroquianos. Em compensação, a maioria favorável a que tópicos do cotidiano fossem abordados, alega que assim procedendo, os padres ajudariam os fiéis a portar-se corretamente diante de situações de polêmica relevância. Entre nós, aqui no Brasil, o assunto, embora antigo, continua atual. Muitos, especialmente entre as lideranças políticas e empresariais, advogam que os padres devem restringir-se em suas pregações a assuntos estritamente religiosos, deixando fora temas políticos e outros tópicos polêmicos. Fiéis vários, no cenário local, também invocam possíveis divisões como argumento para deixar de lado assuntos polêmicos em reflexões dominicais.
O debate persiste. Política, é bom lembrar, envolve conjunto de fatores em vista de promover o bem integral dos cidadãos. Opinar, portanto, integra essencialmente o processo democrático. A formação de um balizado pensamento demanda consultas de naturezas variadas, que incluem doutrinas filosóficas, econômicas, éticas e religiosas. Entendendo que a religião, em especial a cristã, visa promover o bem estar integral do ser humano – eu vim para que todos tenham vida em abundância, afirma Jesus – não se enxerga nenhuma justificativa coerente para omitir a abordagem de assuntos relevantes à vida cotidiana nos sermões dos padres.
Urge lembrar que tal posicionamento não representa nenhuma novidade na história do cristianismo, incluindo o sul-americano. Basta evocar os enfáticos escritos do bispo dominicano Bartolomeu de las Casas no século XVI em defesa dos índios e, aqui entre nós, os vibrantes sermões do Padre Vieira, para perceber a urgência na abordagem de tais assuntos. Relevante a confidência de um sacerdote americano ao afirmar que, ao mesmo tempo em que sentia-se incomodado ao comentar assuntos polémicos em seus sermões, ressentia-se igualmente omisso caso não os abordasse. O silêncio nunca foi e nunca é postura genuinamente evangélica!
Exige-se do religioso sábia prudência na abordagem de assuntos polêmicos. Sua missão não é a de fazer a cabeça dos fiéis. Muito menos de patrulhar conceitos e uniformizar atitudes. O espírito genuinamente evangélico inspira formar consciências, prestando ao fiel suficientes condições para formar, responsável e coerentemente, conceitos balizados e, como natural consequência, encorajá-lo a assumir posicionamento coerente diante de pulsantes questões que afetam o cotidiano e envolvem o bem-comum. Não se promove democracia, nem se constrói o Reino de Deus, com silêncio!
Padre Charles Borg é vigário-geral da Diocese