Mãos amigas, artigo do padre Charles Borg

Alimentação é direito inalienável! Obvio enunciado, mas criminosamente negligenciado! No mundo e em nosso país! São 5 milhões de pessoas que morrem por ano por causa de insuficiência alimentar. O quadro trágico fica mais doloroso quando se conscientize que a cada minuto 10 pessoas perdem a vida por causa da fome! Em nosso país, estatísticas oficiais apontam 15% da população – 33 milhões de cidadãos – sofrendo com deficiência alimentar. A desumanidade da situação não permite indiferença.

Nem piegas compaixão! No caso do cristão, a passividade representa grave falta moral: tive fome e não me deu de comer! Nosso Senhor Jesus Cristo escolheu identificar-se à pessoas que a sociedade considera invisíveis, com o evidente propósito de convencer seus seguidores a compenetrar-se que o mandamento do amor fraterno – pilar e referência do cristianismo – obriga a enxergar e tomar posição diante do sofrimento do irmão.

Em seu aspecto mais leve, a insuficiência alimentar induz as pessoas trocarem a qualidade pela quantidade de alimentos. Escolhem-se alimentos que enchem a barriga, sem a necessária preocupação com nutrientes saudáveis. Dribla-se a fome, subtraindo o alimento nutriente. Aparece sinistro paradoxo: num país onde milhões passam fome outros tantos desfilam mórbida obesidade! Em sua forma mais aguda, a fome se apresenta como a agoniante luta por sobrevivência. Nesse contexto, abre-se caminho para o quadro da fome crônica, a desesperadora consciência que a fome de amanhã será mais doída que a fome de hoje. Pois se não tem como se alimentar hoje, tampouco se terá amanhã. A fome dói! Os calamitosos desdobramentos dessas situações no campo social, produtivo e escolar são evidentes. A fome humilha! O quadro de insuficiência alimentar representa, sem dúvida, a situação que mais avilta a dignidade humana.

Criminosa e imoral é esta situação de penúria diante da constatação – estatisticamente comprovada – que as sociedades, além de reunirem condições de produzirem nutrientes suficientes para satisfazer as necessidades alimentares da atual população mundial, ainda exibem o desplante do vergonhoso desperdício de alimentos. Um terço de boa comida acaba no lixo! Não é tão raro observar, que entre os privilegiados cidadãos que curtem o luxo de poder escolher o que comer, muitos ainda fazem do desperdício motivo de ostentação! Uma imoralidade! O cúmulo da irresponsabilidade! Organizações internacionais garantem ser perfeitamente possível produzir alimento bom e suficiente para satisfazer a necessidade básica de colocar comida decente no prato de cada ser humano. Basta inverter o infame processo de atrelar produção e distribuição de alimentos à interesses lucrativos. É ultrajante contemplar a cadeia produtiva de nutrientes refém da especulação financeira! Comida há, mas é inacessível porque muito cara para a grande maioria das pessoas. Indigna constatar que num país considerado celeiro, principal exportador de comida, nativos passam fome! Urge resgatar, como referência primeira, o respeito pela inerente dignidade de cada ser humano.

Neste desolador quadro de indigências e humilhações emerge potente fonte de esperança. A filantropia claramente aumentou! A solidariedade, particularmente entre as camadas pobres, ficou mais evidente! O cartaz que ilustra o tema da Campanha da Fraternidade deste ano apresenta eloquente apelo e oferece grave denúncia. Leis não matam fome. Mãos amigas, sim! Urge estimular e difundir o sentimento da humanidade. Iniciativas individuais são elogiáveis. Programas compensatórios são benéficos pontualmente. Compreende-se, todavia, que é preciso educar a solidariedade. Articulada e contínua, a caridade se torna mais eficiente. Fortalecer e apoiar as tantas entidades comprovadamente beneméritas e emancipatórias representa sólido contributo na inadiável campanha contra a indecente situação de fome! Mãos amigas alimentam!

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