Pe. Charles Borg: Panis Angelicus

Tradicionalmente, o dia da Eucaristia é Quinta-feira Santa. Nesta data, a Igreja faz memória da instituição da Eucaristia e da celebração da primeira missa, presidida corporalmente pelo Mestre Jesus, tendo como comensais privilegiados os onze apóstolos. Naquela noite, Jesus legou aos apóstolos a tarefa de repetir a ceia sagrada em sua memória. Desde as origens, as comunidades cristãs ininterruptamente têm celebrado a Eucaristia. Houve um tempo, todavia, quando, por motivos variados, os fiéis se distanciaram da Eucaristia.

Outros dela se aproximavam sem a devida reverência. Curiosamente, o descaso com a celebração eucaristia coincidiu com um período de decadência moral e institucional no seio da Igreja. Surgem, então, as ordens de frades mendicantes – dominicanos e franciscanos – com o propósito de purificar e elevar o testemunho eclesial, resgatando os valores evangélicos.

Emerge, concomitantemente, a proposta de introduzir no calendário litúrgico uma festa dedicada exclusivamente à Eucaristia, com o declarado objetivo de reavivar a fé na presença real e santificadora de Cristo na sua Igreja. Prontamente aceita, a iniciativa logo se transformou em uma das mais populares celebrações no calendário litúrgico.

A elaboração da liturgia da festa foi entregue ao mais destacado teólogo da época, o dominicano Santo Tomás de Aquino. Amplamente familiarizado com a tradição eclesiástica, o doutor angélicus elaborou uma liturgia que prestasse não somente a enaltecer o sublime caráter sacramental da solenidade como, simultaneamente, servisse como preciosa ferramenta catequética. A liturgia da solenidade de Corpus Christi é um compêndio teológico sobre a Eucaristia. Entre os diversos aspectos compreendidos no mistério, um mereceu destaque especial na inspiração do santo teólogo.

Na celebrada estrofe conhecida como Panis Angelicus, o douto dominicano, inspirado certamente em dois pedidos feitos com insistência pelo Mestre Jesus no discurso da última ceia, – insistência sobre o amor fraterno e a súplica para que as comunidades de discípulos formassem perfeita unidade – destaca como expressão principal da participação na Eucaristia a fundamental igualdade entre os comensais da ceia eucarística. Os pobres e os humildes se alimentam do mesmo pão dos anjos como os mais nobres e os mais doutos. Entre os comensais eucarísticos não existe diferença.

A mesma verdade encontra-se repetida no prefácio da Missa do dia, focando a radical fraternidade entre os convidados do Senhor para a Ceia. Para o teólogo, um dos mais valiosos valores que emergem da eucaristia é a radical fraternidade. Na celebração eucarística a piedade pessoal recua para um plano inferior, enaltecendo a dimensão coletiva, eclesial. Não há eucaristia se não houvesse Igreja! Não há proveitosa comunhão sem que se esteja inserido na comunidade dos irmãos.

Ao pronunciar o ‘amém’ na hora da comunhão, o fiel não apenas renova a fé na real presença de Cristo sob as espécies do pão e do vinho. Renova, igualmente, sua inserção no Cristo total. O pão da vida, a comunhão, nos une a Cristo e aos irmãos, entoa o tradicional canto. Uma união, todavia, que longe de ser corporativa, é chamada a ser missionária – e nos ensina a abrir as mãos -, prossegue o belo canto. Em tempo de celebrações virtuais e abstinência eucarística, provisórias e sanitariamente recomendáveis, persiste imperioso viver a mística da Ceia do Senhor. A Igreja vive da Eucaristia! O mundo também demanda o Panis Angelicus!

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