Peregrinos, artigo do padre Charles Borg

Aberta está a Porta Santa! Na véspera de Natal, antes de celebrar a tradicional Missa do Galo no Vaticano, o Papa Francisco abriu a Porta Santa, dando início, com este ritual, às atividades propostas para a vivência fecunda deste ano de graça. A cada vinte e cinco (25) anos, a Igreja Católica reaviva a redentora mística embutida nas orientações deixadas pelo Criador ao povo eleito. No livro do Levítico, o código de leis morais e disciplinares entregue pelo Criador como ordenanças a reger a vida do povo eleito, encontra-se estabelecido no cap.25, 8 ss, que a cada cinquenta (50) anos deve se decretar um ano jubilar. O nome advém do instrumento de sopro – yobel – feito de chifre de carneiro, que os levitas usavam para lembrar o povo suas obrigações religiosas.
Em algumas esquinas, ainda hoje, o yobel é tocado ao entardecer das sextas-feiras para anunciar o início do repouso sabático. Na ocasião da promulgação da legislação bíblica, a celebração do ano jubilar convocava o povo de Deus a realizar profunda revisão de vida, caracterizada pela pratica do perdão geral e irrestrito de todas as dívidas. No conceito divino, a realização do ano jubilar tencionava restabelecer a ordem inicial da criação. Na prática, esta anistia devolvia aos donos suas terras e bens confiscados por dívidas não honradas. Em algumas circunstâncias, quando o débito era pago com a perda de liberdade do devedor e de sua família, a ocorrência do ano jubilar obrigava o credor a devolver à família escravizada a plena cidadania.
Emerge a dimensão profundamente humanitária e significativamente libertadora da instituição jubilar. No conceito divino, nenhum ser humano merece perder indefinidamente sua original dignidade. A orientação bíblica visava enfatizar a sublime verdade: o ser humano possui inalienável distinção a ele outorgada pelo divino Criador. Legislação positiva alguma subtrai essa dignidade! Ao retomar esse hábito, a Igreja Católica convoca seus fiéis, a cada quarto do século, a reavaliarem o grau de comprometimento com esse propósito libertador divino. A celebração do ano jubilar é um convite enfático a induzir os fiéis a se compenetrarem da básica proposta bíblica: não há verdadeiro amor a Deus sem uma comprometida solidariedade para com o irmão. Coerente com esse pressuposto evangélico, o Papa Francisco propõe a esperança como eixo central de todas as atividades jubilares.
Enfatiza o Santo Padre o sentido bíblico da esperança, a certeza de que um mundo mais humano é possível! Na condição de crente na Palavra de Jesus, a comunidade dos fiéis está convicta que a esperança não decepciona. Movida por essa convicção, a Igreja é convocada a realizar, durante o ano jubilar, uma contínua peregrinação de inclusão e solidariedade. Afinal, fé, esperança e caridade se complementam, pois viva é a fé, autêntica é a caridade à medida que fecundem outras vidas. Ciente das diversas situações humilhantes e condições cruéis que privam milhares de seres humanos de suas dignidades originais, a Igreja, recorrendo à sua vasta e diversificada capilaridade, reconhece ser sua inalienável missão empenhar-se seriamente em restituir a um maior número de pessoas a certeza de que um mundo, mais justo e solidário, é factível.
Salta a sublime e envolvente mística a caracterizar toda peregrinação, partir de uma posição e dirigir-se em direção a uma meta almejada. Desinstalar-se é pressuposto inerente à condição de discípulo de Jesus! Afinal, nada mais necessário para um discípulo do Mestre que convencer-se da sua inalienável condição de perene peregrino, crente em constante projeto de saída!
Aberta, a Porta Santa é insistente convocação. É preciso deixar para traz a desumana indiferença. Urge derrubar a ditadura do EU e peregrinar por caminhos capazes de levar esperança a um número sempre crescente de seres humanos relegados ao descarte e ao descaso. Mais que andejar, o peregrino jubilar é convocado a entregar-se àquele itinerário interior que ajusta valores e ajeita preferências!
FELIZ ANO NOVO!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

X