Reset, artigo do padre Charles Borg

Jovens se automutilam! Têm sido frequentes as notícias sobre este fenômeno de jovens se punirem ou mesmo de chegarem a extremos mais trágicos. Pais e educadores andam preocupados e a sociedade, igualmente, apreensiva. Buscam-se razões e explicações para este triste fenômeno, visando impedir desfechos mais trágicos. Psicólogos e orientadores de comportamento têm se dedicado com mais afinco a detectar possíveis premonições, sinais externos de atitudes estranhas a indicar a presença de algum distúrbio.

O isolamento, voluntário e frequente é um desses indicativos. Sendo naturalmente gregário, o jovem que se enclausura com frequência denuncia incômodo fastio. Apressa-se, não raramente, a explicar esse estranho retiro como timidez, situação que se supera a medida que se amadurece. Timidez assinala sentimento de falta de confiança nas próprias potencialidades, insegurança ao expor-se. A opção de não mostrar a cara pode, contudo, refletir agudo sentimento de vergonha, estado emocional resultante de uma exposição que afeta negativamente a autoestima. Passar vergonha é uma verdadeira tortura subjetiva, com graves ressonâncias na saúde psíquica e emotiva da pessoa, particularmente quando jovem.

O sujeito passa vergonha porque foi, de fato, pego cometendo falhas consideradas incompatíveis com determinado estado de vida ou porque foi exagerada e publicamente condenado por um lapso inaceitável em um determinado grupo. Denunciada a vulnerabilidade, o sujeito vive a sensação de credibilidade perdida, de dignidade ferida. Inconformado e receoso, refugia-se no ostracismo. Justificada ou não, a sensação de vergonha induz a pessoa a isolar-se, julgando-se indigna de ser aceita em determinado grupo ou na sociedade. Particularmente, em algumas culturas orientais, esta sensação de quebra de confiança, não raramente, termina em desfechos trágicos.
Confundir vergonha com timidez pode sugerir ajustes equivocados. Timidez se supera com estímulos. Vergonha se cura com aproximação, digna e respeitosa.

Exemplo clássico da eficácia dessa terapia nos é dado na vida de Jesus quando lhe foi apresentada uma mulher pega em flagrante adultério. Enquanto a turba insiste em apedrejar a pecadora, Jesus, primeiro, desafia a quem nunca fez nada de errado a jogar a primeira pedra. Ato contínuo, coloca-se resolutamente ao lado da mulher, demonstrando-lhe desinteressado afeto e corajosa solidariedade. Sua postura afasta os dissimulados acusadores, como também restaura dignidade à faltosa mulher. A vergonha se redime com compassiva integração. Percebe-se, na sociedade, prazer mórbido em denunciar ruidosamente falhas e deslizes, particularmente de figuras destacadas, com o explícito objetivo de destruir moralmente a pessoa e a implícita intenção de camuflar os próprios pecados. Pelo lado do faltoso, a esfolada na imagem aliada a um profundo sentimento de quebra de confiança, mácula moral, humilha e rebaixa o sujeito perante si próprio, a ponto de o induzir a enfiar-se, quando possível, no primeiro buraco. Sem esperança de redenção, com agudo sentimento de rejeição, o faltoso, refugia-se no isolamento. Do isolamento à depressão e às subsequentes autopunições, físicas e/ou emocionais, é caminho previsível.

A moderna cultura ostenta dissimulada perfeição. Neste imaginário mundo de craques, jogadores considerados medíocres não somente não conseguem espaço e visibilidade, como também têm suas limitações expostas de maneira humilhante como também criticadas com linguagem ofensiva. Diante de críticas, ásperas e impiedosas, gente suscetível, adolescentes e jovens em particular, sucumbe. Isola-se, convicta de sua insignificância. A redenção começa pela compaixão, pelo simples e solidário gesto de colocar-se ao lado, com afeto e naturalidade. Sem parolagem. Sem cobranças. Urge operar um reset radical nos relacionamentos, caso se deseja, verdadeiramente, construir uma sociedade mais humana. Amizade sincera e afeto desinteressado reconstroem o que a maldade e a hipocrisia destroem. A vergonha isola. A compaixão reintegra!

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