Símbolo sagrado, artigo do padre Charles Borg

“São João passou por aqui”? A indagação representa uma espécie de senha para alguém ser admitido aos repastos tradicionais associados e servidos por ocasião da festa de são João Batista. Motiva o autoconvite, entre os nordestinos, a fogueira acessa em frente às residências. As folclóricas festas juninas, em especial a de São João, a maior entre elas, tem na fogueira sua mais emblemática expressão.

Interessa saber que o tradicional fogo característico à festa de S. João é costume observado em vários países de tradição católica. Sua origem, segundo historiadores, remonta a tradições pagãs que costumavam acender fogueiras em homenagem ao deus sol, especialmente nas épocas dos solstícios. No hemisfério norte, estes períodos de passagem de estação, em dezembro, sinalizando o inverno e, em junho, indicando o início do verão, eram venerados com particular reverência pelos povos primitivos, dependentes que eram da caça e da agricultura. Essas tribos escolheram o fogo como expressão da sua profunda reverência e confiança na divindade. O fogo evoca vida. É força ativa que transforma tudo onde alcança. O fogo ilumina e ao aquecer, congrega. Ao redor do fogo, a tribo se reúne, reza e celebra e estreita o vínculo comunitário.

A tradição cristã inspirou-se nestas práticas e as adotou, primeiro, na celebração do nascimento de Jesus Cristo, no solstício do inverno, fazendo da luminosidade das tochas a expressão maior para festejar o nascimento da verdadeira luz do mundo. Em sendo João Batista seis meses mais velho que Jesus, nada mais lógico que celebrar seu nascimento, recorrendo ao forte simbolismo do fogo, no solstício de verão, em junho. De fato, no hemisfério norte, a entrada do verão sinaliza o lento processo da redução da claridade solar, evocando a profética confissão do Batista de que ele precisava diminuir para ceder lugar à luz verdadeira, Cristo Jesus!

Emerge a inspiradora mística em torno da fogueira de s. João, lamentavelmente diluída e alterada pelo atual viés profano da espetacularização das comemorações e pelos enfoques turísticos e comerciais. O real alcance do simbolismo, contudo, persiste subjacente. As fogueiras, mesmo as estilizadas e mecanizadas, continuam aproximando pessoas, motivando danças e descontrações, reunindo amigos na partilha de repastos tradicionais. O profano e o sagrado se misturam nestas festividades. Mesmo com a acentuada dessacralização da cultura a dimensão espiritual felizmente resiste. E reivindica ser resgatada pelo bem total da realização humana.

 

O simbolismo do fogo persiste na liturgia católica e clama para ser assimilado e transformado em inspiração espiritual. O fogo evoca a presença da divindade, que ilumina as pessoas e as congrega. A liturgia ortodoxa explora magnificamente esta dimensão simbólica.

Na liturgia o fogo não é adereço. É elemento ativo, diminuído embora pela profusão da iluminação artificial. Urge, pois, compenetrar-se de seu valioso simbolismo. O fogo purifica e transforma! É silencioso apelo para os presentes reconhecerem e reverenciarem a providente presença de Deus, dele se aproximarem com filial confiança enquanto estreitam mais vigorosamente os vínculos fraternos! Sagrado símbolo é o fogo!

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