“Luz! Mais luz!” Segundo biógrafos, teriam sido estas as derradeiras palavras do genial escritor alemão Goethe. Não há vida decente sem luz. Assim como não há graça nenhuma em comidas sem a dose correta de sal! Sal e luz são elementos básicos, dinâmicos e essenciais para uma vida digna e prazerosa. Segundo outro pensador alemão, o cristão Bonhoeffer, enquanto prisioneiro num campo de concentração nazista, e meditando sobre as palavras do Mestre – vocês são o sal da terra e a luz do mundo – Jesus insinua que a presença dos cristãos no mundo é condição essencial para uma vida humana decente. Longe de ser recebida como ufanismo barato, a reflexão do teólogo alemão impõe grave responsabilidade sobre os assumidos seguidores de Jesus. Assim como o sal e a luz não existem para si, mas para prestar um serviço benéfico aos outros, Jesus concebe seus seguidores imbuídos de constante missão de operar um salto de qualidade na vida das pessoas. Não se mira o sol. Caminha-se seguro, no entanto, graças ao brilho que dele emana. Estar a serviço dos irmãos é condição constitutiva do ser do discipulado. Um serviço que, á semelhança do prestado pelo sal e pela luz, se predispõe a diluir-se. Velas iluminam enquanto se consomem. Sal tempera enquanto se dissolve na comida. Os discípulos de Jesus vivem sua vocação na medida em que se dispõem a esquecer-se de si em favor do semelhante. Inspirados no exemplo do próprio Mestre, que aniquilou-se, morrendo na cruz, para salvar a humanidade.
Compenetrada desse grave e inalienável débito para com o ser humano, a Igreja Católica vive singular e oportuna experiência de revisão de valores e renovação de atitudes. A rigor, esse processo teve início com a realização do Concílio Vaticano II, em 1962. Naquele inspirado e formidável colegiado, bispos, teólogos e alguns leigos resgataram o conceito bíblico de Igreja como povo de Deus a caminho. Densa expressão em conteúdo e propósito. Resgata, preliminarmente, a fundamental verdade da comum dignidade e intrínseca corresponsabilidade de todos os batizados, diluindo o tradicional e excessivo esquema hierárquico, ao mesmo tempo em que insiste sobre a igualmente urgente dimensão missionária do povo de Deus. A semelhança do sal e da luz, a Igreja existe em função do ser humano. A profética e renovadora consciência passou, contudo, por um período de hibernação. Até que o Papa Francisco, sensível às necessidades do homem moderno e consciente da inesgotável força redentora que emana do Evangelho de Jesus Cristo, decide convocar o povo de Deus – todos os batizados, indistintamente – a resgatar e assumir a dimensão sinodal da Igreja!
Católicos ao redor do mundo, com raras e lamentáveis exceções, reuniram-se para, num clima de total liberdade, em compasso de diálogo e escuta, refletir sobre a identidade do povo de Deus como também sobre seu inalienável contributo para uma existência humana mais digna, mais solidária, mais fecunda. A proposta sinodal não pretende gerar uma nova Igreja. Empenha-se em encontrar um jeito que responda profeticamente às volúveis exigências e rápidas mudanças do mundo moderno, sem, contudo, barganhar doutrinas nem rifar valores morais! Audacioso desafio, que repousa na elementar verdade e na confiante esperança da iluminadora presença e dinâmica inspiração do Espírito de Deus, vivo e operante na comunhão eclesial. A graça divina renova a face da terra! Quanto mais fiel à sua originária vocação, mais a Igreja se assemelha ao sal e à luz, mais indispensável se torna num mundo insosso e sombrio.
Despojada de todo ufanismo, despida de toda ambição dominadora, vacinada contra a colonizadora doutrinação, a Igreja, em constante compasso sinodal, se propõe erguer-se como tenda onde todos os cidadãos, indistintamente, possam se abrigar, sentir-se acolhidos e, eventualmente, curados de suas feridas, para, refeitos e regenerados, prosseguirem construindo o Reino de Deus, que, afinal, é de todos e para todos!
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