A política faz vítimas! A tensão pré-eleitoral começa a se manifestar em diversas situações do convívio social. O fato, triste, de a intolerância, por motivos políticos, ser perceptível em outras partes do mundo não oferece nenhum consolo. Apenas confirma tratar-se de viés passional com urgente necessidade de ser contido. Mesmo em círculos familiares, discutir política é assunto proibido, tamanha é a paixão com que se defendem bandeiras e atores políticos. Chegar a este estágio de autocensura é deveras lamentável, pois ilustra e confirma a crescente incapacidade de conviver com o contrário.
Quem pensa diferente é logo considerado como adversário, com quem é desaconselhável dialogar. Conversas viram polêmicas, onde ninguém escuta e todos agridem. A polarização e a intolerância estão se transformando em marcados traços negativos no atual convívio social. Desconfia-se que à medida que a eleição se aproxima a temperatura mercurial tende a evoluir com imprevisíveis desfechos. Fala-se na chegada da epidemia do ódio, com variantes nos diversos setores da vida.
Neste atual tenso panorama, a fé, especialmente a cristã, reúne considerável potencial de moderação e equilíbrio. Urge diferenciar fé de religião! Não é tão incomum encontrar um sujeito que professa seguir determinada religião sem, no entanto, pautar sua conduta pelos preceitos básicos da crença a qual se adere. Jesus deixa clara esta verdade quando conta a parábola do bom samaritano, recentemente proclamada na liturgia católica. Na história de Jesus, dois personagens, um sacerdote e um levita, presumivelmente comprometidos com a religião judaica, que tem no amor ao próximo um dos mandamentos básicos, simplesmente ignoram um coitado, supostamente judeu como eles, agonizante à beira da estrada. Professavam e ensinavam o mandamento do amor ao próximo, mas não o praticavam. A fé no Deus da Bíblia educa e promove o digno relacionamento com o semelhante. Jesus expressa esta verdade de maneira enfática quando atrelou o mandamento do amor a Deus ao amor ao próximo.
Quem acredita no Deus revelado por Jesus Cristo empenha-se em praticar um autêntico amor ao próximo. Jesus leva esta verdade ao extremo quando se identifica com os mais humildes dos irmãos: considero como feito a mim o tratamento dado ao irmão! A fé autêntica induz a pessoa a deixar-se moldar por Deus, a ajustar o pensamento aos conceitos divinos e a conformar as escolhas aos valores do Criador. Ora, Deus, rico em compaixão e perdão, promove tolerância e respeito. Ilustrativo é outro episódio na vida de Jesus ao desautorizar qualquer menção de represália a samaritanos que recusavam oferecer-lhe hospedagem. O crente, educado na escola de Jesus, aprende como é ser tolerante. Educa-se na promoção da paz. Desenvolve a habilidade para o diálogo, disciplina-se na arte de escutar e prepara-se a contra argumentar em compasso civilizado. Paz não repousa na uniformidade, mas, sim, na capacidade de conviver civilizadamente com o contrário.
Todo convívio humano está sujeito a conflitos e tensões. Necessitado, portanto, de balizas fomentadoras de equilíbrio e de convívio civilizado. A virtude da fé reúne potencial formidável na tarefa de promover respeito pelo outro e na ingente e urgente missão de moderar paixões e serenar impulsos. Lamenta-se profundamente a ambiguidade de confundir fé com religião, compreendida como instituição identificada com determinados credos. Fé autêntica não tem cor nem bandeira. Tem, sim, princípios que filtram proposições e mandamentos que aproximam pessoas, promovem a união, semeiam a paz. Enorme é o desserviço à fé quando, confundida com religião institucionalizada, é usada como cabide para propaganda partidária ou como justificativa para atos de intolerância. A fé autêntica promove o discernimento e ensina a conviver com o plural e o diferente. Desassistida, a política faz vítimas! Pela fé temperada, a política investe no bem, promove o diálogo, preza o respeito!