Decência, artigo do padre Charles Borg

Baile de idosos em plena pandemia! A fiscalização precisou intervir para encerrar a festa! Surpreende a defesa de alguns parentes dos idosos, buscando justificar a descontraída aglomeração sob o argumento de que é melhor morrer dançando que morrer mofando dentro de casa, isolado! Insensatez tem limites!
O sujeito pode, em tese, não se importar com a própria saúde, mas que direito tem de colocar em risco a integridade dos outros? Contaminado, o doente passa a ser vetor de contágio! Será tão divertido assim ver parentes morrerem asfixiadas em casa, por falta de leitos hospitalares!
Está mais que evidente o estado de saturação nos sistemas de saúde! O ritmo da vacinação é muito lento comparado com o rápido avanço das infecções. É verdade que os cidadãos estão exaustos com o isolamento, mas é o que se tem, no momento, caso se pretenda permanecer vivo.
Que contraste com a alegria de idosos ao receberem a vacina. É contagioso o alívio ao se perceberem um pouco mais protegidos, podendo circular com menos apreensão, embora preservando os recomendados cuidados sanitários. É equivocado o conceito de liberdade que não leva em conta a responsabilidade social. Nenhum direito é legítimo ao isentar a responsabilidade para com o próximo.
Emerge questão delicada quanto à realização de cultos religiosos. Alguns governantes classificam como essenciais as atividades religiosas. Há fundamentação teológica para a tese. Para o crente – seja qual for a denominação religiosa a que pertence – a vivência da fé consola, como também fortalece no combate às adversidades, inclusive sanitárias. Está comprovado clinicamente que a assistência religiosa colabora efetivamente na recuperação de doentes. No entanto, é preciso compenetrar-se que a aplicação desta verdade não pode ser entendida e executada de forma linear, como se toda e qualquer prática religiosa se torna legítima, independente das circunstâncias. A fé que ignora o bom senso e descuida de orientações científicas deixa de ser virtude e passa para a categoria de curandeirismo.
Ou, o que é pior, de fanatismo. É equivocado apelar exclusivamente para a fé como blindagem contra infecções altamente transmissíveis! Se se acredita no Deus da Bíblia, que é amor e ama tanto a ponto de oferecer seu próprio Filho para salvar a humanidade e manda amar no mesmo compasso e que, de forma coerente, ordena escolher sempre a vida em oposição à morte, então é se obrigado a concluir que caso o culto, ou qualquer outra atividade religiosa, ponha em perigo a saúde de uma coletividade deve-se avaliar a conveniência de sua realização. Decretos não abolem bom senso. Governos autorizam celebrações, mas não enclausuram patógenos! Ouvem-se críticas quanto à prudência de algumas denominações terem reduzidos suas atividades visando proteger vidas e colaborando para frear a ferocidade do contágio.
Não causa nenhum prazer suspender atividades religiosas presenciais. Por outro lado, não se isenta de responsabilidade a liderança religiosa que, mesmo ciente do grave perigo de contaminação, persiste em promover aglomerações. É de se duvidar da autenticidade da fé quando prescinde do bom senso. Diligentes pastores, cientes das limitações atuais, encontram meios alternativos para manter seus fiéis espiritualmente alimentados. E são muitas e formidáveis as iniciativas virtuais que mantêm acesa e viva a chama da fé. É sempre bom lembrar que, nesta terrível pandemia, Deus, que é Pai solícito, e que ama incondicionalmente seus filhos, está sempre do lado deles. E porque por eles zela, deixa claro que não é o homem para o sábado, mas o sábado para o homem!
A hora é de prudência! De responsável discernimento, em suma! Quem é do bem, e pode, fica em casa! O supremo mandamento de amor ao próximo exige resiliência nesta hora dramática. A decência demanda promover a cultura do cuidado.

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