Coroas, artigo do padre Charles Borg

A Rainha à serviço do Rei! A frase autobiográfica encontra-se na mais recente edição da Bíblia Anglicana prefaciada pela Rainha Elizabeth II por ocasião do seu nonagésimo aniversário. Como se sabe, o/a monarca do Reino Unido é também chefe da Igreja Anglicana, dissidência da Igreja Católica desde o reinado do rei Henrique VIII. No caso da Rainha Elizabeth II sua adesão à fé cristã ultrapassou a formalidade. Atestam seus biógrafos que a monarca praticava a fé que professava com exemplar convicção. Frequentava com regularidade as celebrações litúrgicas, meditava a Palavra, amava acompanhar palestras de pregadores cristãos renomados e cultivava profunda admiração pelo cristianismo em geral.

Registra-se que visitou cada um dos papas que ocupou a cátedra de S. Pedro ao longo do seu reinado. Nas suas habituais mensagens natalinas fazia questão de ressaltar o admirável e fiel amor de Jesus, a quem creditava firmeza em tempos difíceis. A frase acima, com que decidiu prefaciar a edição bíblica anglicana, retrata sua mística jornada. Resume e propõe um caminho de fé!

O testemunho de fé da Rainha ficou manifesto nas liturgias sóbrias que marcaram seu funeral. Além de formal protocolo que distingue o jeito britânico de celebrar eventos, ficou evidente o clima de respeito e reverência religiosa que emolduraram todo o cerimonial fúnebre. Entre as tantas particularidades focadas nas sequências registradas, sobressaiu a postura despretensiosa do renomado jogador David Beckham. O mundialmente admirado jogador de futebol fez questão de não se prevalecer da condição de celebridade e da honraria de cavalheiro do reino e misturou-se com a multidão, aguardando, por longas horas, até chegar a vez de prestar sua emocionada homenagem à rainha. A louvável postura do celebrado jogador, além de encaixar-se perfeitamente no macro horizonte cristão que marcou a vida e a morte da monarca, provoca oportuna reflexão sobre o legitimo sentido de ser e de agir como celebridade.

Em nossa cultura moderna, frívola e fútil, toda oportunidade para aparecer é explorada com volúpia narcisista. A cultura hedonista que distingue o moderno comportamento preza em demasia o culto à personalidade. Pouco importa quem se é de verdade, conquanto a imagem esteja projetada em capas e manchetes. A atitude de Beckham, fazendo pouco da fútil ilusão do glamour, resgata a condição de gente, básica e partilhada dignidade da pessoa humana, legitima raiz da distinção. A importância de uma pessoa não repousa no status, social, político ou artístico, muito menos no volume de sua conta bancária, mas, primeiro, em sua inata dignidade de ser gente, enobrecida, em seguida, por atitudes de genuíno respeito e despretensiosa consideração pelo semelhante.

Outros atributos ou condecorações apenas complementam a original condição. Esquece-se, com frequência, que chegará a hora quando esses complementos ficarão compulsoriamente para trás e que se haverá de prestar contas quanto ao seu uso e destinação.

Terminado o jogo, rei e peão são guardados na mesma gaveta. A alegoria, inspirada no jogo de xadrez, provoca oportuna reflexão sobre o sentido que se dá à própria imagem! Todo reinado, por mais longevo e aplaudido, termina. Toda fama e glamour, por mais ruidosos, conhecem ocaso. Coroas e patrimônios ficarão para outros! Sabedoria e retidão são as virtudes que mais inspiram universal e genuína reverência! Sábia é a celebridade que serve o Soberano!

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