Padre Charles: urge resgatar a importância da dimensão comunitária da vida

Cantando, nos sentimos mais fortalecidos! A confidência é de uma mãe que integra um coral na Inglaterra formado exclusivamente por parentes de pessoas desaparecidas – THE MISSING PEOPLE CHOIR. A iniciativa de formar o coral surgiu como evolução de encontros periódicos que parentes de pessoas desaparecidas realizavam. De acordo com o depoimento de uma integrante, o fato de as pessoas se encontrarem para partilhar angústias e elaborar estratégias em busca de confiáveis pistas que pudessem levar ao paradeiro de filhos desaparecidos, ajudava sobremaneira a suportar a dor e a renovar esperanças. Quando surgiu a ideia de formar o coral e começaram as apresentações, os integrantes sentiam-se ainda mais fortalecidos.

Para esses parentes, na maioria pais e mães já não tão jovens, evidente, um único escopo para viver passou a ser reencontrar os filhos sumidos e trazê-los de volta para casa, seu verdadeiro lar. O coral se apresenta por várias cidades com o principal propósito e esperança de encontrar alguém que possa oferecer alguma pista sobre possíveis paradeiros de qualquer um dos filhos desaparecidos. Durante a apresentação, a foto dos filhos aparece projetada num telão. O sentido de nossa existência, comentam comovidos os integrantes do coral, é encontrar novamente nossos filhos e trazê-los de volta para casa! Assistir a uma dessas apresentações comove profundamente.

O repertório sempre termina com a canção ‘sinto sua falta’. E não há gente, na plateia e no coral, que não se comove. Emerge desta inventiva iniciativa lição preciosa de sociabilidade: integrar uma comunidade é garantia de fortalecimento. Ecoando depoimento de um dos integrantes do coral: juntos, nos sentimos mais fortes. Dores partilhadas ficam mais suaves. Alegrias ficam mais intensas quando partilhadas. Imenso é o consolo quando se sabe que se pode contar com amigos, em especial em situações de desespero. A solidão bate forte, particularmente em momentos de dor. A presença de um amigo que aperta a mão, que abraça, não muda realidades, é verdade, mas consola a alma e revigora o espírito. Escora para os pés não vacilarem e reacende a coragem para prosseguir andando.

Urge resgatar a importância da dimensão comunitária da vida. O ritmo da vida moderna favorece demais o isolamento e a imaginária autossuficiência. As várias ferramentas de comunicação e os eficientes serviços de delivery passam a ilusão de que se pode tranquilamente enfrentar a vida por conta. Instala-se a preguiça e dissemina-se a apatia. Não se acha mais ânimo para sair de casa, pretextos camuflam o desânimo. Terrível fantasia imaginar-se autossuficiente e totalmente autônomo. Isolado, o ser humano fica mais fragilizado e bastante vulnerável à manipulações de todas as matizes. Urge resistir a essa tendência de apático desinteresse. Urge derrubar os arbitrários obstáculos que teimam manter distantes as pessoas.

Urge ousar e aproximar-se! Não se pode ceder ao receio de conviver! Viver em comunidade demanda ajustes e renúncias, o empenho e os sacrifícios, porém, são alta e comprovadamente compensadores. Contra a deprimente tendência de isolamento, promova-se a cultura do encontro! Em comunidade, amparado se vive e mais fortalecido! Integrando o coral, pais e mães perceberam sua dor mitigar-se. Em harmonia, a voz ecoa mais forte, o clamor chega mais longe! Em comunidade reunidas, as pessoas ficam superfortes, superprotegidas!

Padre Charles Borg é vigário-geral da Diocese de Araçatuba
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