Arraial, por padre Charles Borg

Quadrilha, nem pensar! Até da alegria de dançar, de comer comidas típicas e saborosas, de quermesses, do convívio descontraído, este malvado patógeno vai nos privar. Em parte, reconheça-se, por culpa nossa também. Pois se tivéssemos colaborado melhor com o distanciamento, com a proteção e com a higiene, essa ‘coisa ruim’ já estaria mais controlada. O ser humano é naturalmente festeiro, gregário. É a razão porque o isolamento agride tanto. Relacionar-se é vital para o ser humano. Certamente, a sensação do vazio será mais sentida neste mês junino. Algo importante fará falta, como está fazendo falta participar de missas e cultos.

O incômodo que o isolamento está causando, por outro lado, atiça a criatividade. O instinto de manter-se conectado com a comunidade – inclusive a religiosa – inspira iniciativas criativas, lúdicas algumas, visando manter acesa a chama gregária. Trocam-se receitas culinárias, exibem-se produções manuais, oferecem-se ensinamentos. No campo propriamente religioso, fiéis organizam salas de conversas e partilham reflexões sobre a Palavra de Deus.

A imposição, necessária, de observar o físico distanciamento não abafa o impulso natural de manter-se ligado á comunidade. Pois, no fim, trata-se justamente desta primitiva verdade: o ser humano pertence a uma comunidade e dela precisa para crescer e amadurecer-se.

Paradoxalmente, a urgência de manter-se fisicamente distante, colabora decisivamente para que o homem moderno tomasse consciência da necessidade que tem do outro. A mentalidade que o ritmo da vida moderna vinha sorrateiramente impondo era de que não se precisa do outro. Uma mentalidade exageradamente subjetivista e equivocadamente independente estava paulatinamente se firmando. De repente e independente de sua vontade, induzido por uma letal pandemia, o ser humano volta para a sua original raiz, a cultura gregária, familiar.

Significativamente, é no campo religioso que esta volta ás raízes fica mais evidente. Com o streaming de missas, integrantes de famílias que andavam afastados da igreja, voltam, paulatinamente, a envolver-se. A faculdade de poder acompanhar vários estilos de celebração e de pregação, além de ajudar a formar saudável conceito plural de Igreja, amplia o horizonte de empatias. É fato, histórias mudam a partir de quem as conta. Muitas famílias voltaram a acompanhar a missa juntos, e com prazer.

Como natural extensão, emerge e revigora-se o hábito de rezar em família. Surgem, espontaneamente, – em especial para quem, na infância, morou em sítios ou fazendas – lembranças dos terços e novenas comunitárias feitas em capelas ou alpendres. Essa piedade popular constitui a raiz da cultura nacional, e é responsável, sem dúvida, pela solidez do vínculo familiar, pelo substrato moral e ético da sociedade e pela dimensão comunitária e solidária da fé. Muitas eram, em tempos de sítio, as privações. Sobravam, contudo, alegria, sociabilidade e solidariedade! Partilhar rezas, particularmente em família, permanece pilar insubstituível na constituição de uma civilização humana e digna.

Quadrilha não haverá este ano! Arraial virtual, sim! O sentimento piedoso, o instinto gregário e a natural descontração resgatarão, sem esforço e com criatividade, antigos hábitos de realizar, online, rezas, preparar guloseimas e inventar brincadeiras. O vírus é medonho, mas não a ponto de sobrepor-se absoluto! A fé, o afeto e a alegria são mais valentes!

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