Artigo do vigário-geral, padre Charles Borg: fé e política, parte 3

Ninguém vive sem fazer política. Age como político – no sentido clássico do termo – o cidadão que cedo acorda e dirige-se ao trabalho. Age como político a dona de casa que procura o armazém que oferece melhor preço da cesta básica. Agem como políticos o jovem e a criança que se aplicam a fazer o dever de casa. Cada um, à sua maneira, contribui para o progresso da coletividade.
Em época de eleições, esta ação política reveste-se de peculiares contornos. Cidadãos se apresentam como candidatos, isto é, prometem ser fiéis porta-vozes dos anseios da população ou de específicos grupos enquanto a grande maioria de concidadãos entende ser seu dever cívico delegar responsabilidades. Participar ativamente do processo eleitoral é um direito e um dever cívico, exigência ética mais que imposição legal.
Votar representa essencialmente capacitar pessoas a atuarem como legítimas porta-vozes de determinado conceito de governo. Apresentar-se como candidato significa, por sua vez, atuar seguindo os postulados da escola política a qual se é afilhado. Sendo as próximas eleições municipais, essa espécie pacto de mútua confiança reveste-se de peculiar urgência. Afinal, os eleitos estarão diretamente envolvidos em assuntos que interessam proximamente o cotidiano das pessoas.
Um dos critérios que está sendo amplamente sugerido como confiável referencial é votar em pessoas que têm Deus no coração. Mais correto seria incluir na recomendação o eleitor. Altamente recomendável seria que tanto eleitores como candidatos cultuassem Deus no coração! De forma alguma se defende uma teocracia. O que se almeja é que o processo eleitoral fosse pautado por valores genuinamente éticos e cívicos.
Pois ter Deus no coração representa agir com honestidade, com genuíno espírito cívico moldado por justiça! Agir com integridade, em suma! Insiste-se, não é preciso estar filiado a uma religião oficial para agir com o autêntico espírito cidadão! Da mesma forma, votar em candidato notoriamente identificado com uma confissão religiosa não representa endossar o credo nem o código moral daquela confissão. Banem-se tutelas e manipulações. Resiste-se a proselitismos oportunistas. Credos e governos se respeitam, preservando tenazmente sua independência.
Emerge precioso avanço na concepção e na condução da política. Política é o gerenciamento do possível. Envolve negociações e acomodações. Ao sufragar nomes, o eleitor ‘que tem Deus no coração’ transfere ao candidato a tarefa de promover, em seu nome, o bem coletivo pautado por valores genuinamente honestos e cidadãos. A rigor, o voto não é para o candidato, mas em vista de uma proposta de governo. Por sua vez, o candidato sufragado, ‘que tem Deus no coração’, compreende que sua eleição não representa um cheque em branco. Muito menos uma vitória pessoal! Representa, sim, o compromisso de exercer o mandato respeitando a pauta assumida. Fica claro porque muitos desacreditam da política e dos políticos.
Eleitos, muitos entre os sufragados, ignoram sua pauta original, exercem o mandato conforme interesses pontuais ou pessoais. Inflam seu ego! Traem o eleitorado. Quebram a confiança! Político ‘que tem Deus no coração’ reconhece-se moralmente obrigado a dar satisfação a seus eleitores da sua gestão. A agir com transparência. A ser íntegro, em suma! Nosso Senhor Jesus Cristo, o mais legítimo porta-voz do pensamento divino, classifica o poder como exercício de serviço não de dominação. Nunca de exposição narcisista! Por sua vez, o eleitor, porque ‘tem Deus no coração’ não hesita em cobrar e desautorizar ao se sentir ignorado. Exige respeito. Demanda coerência. Agir politicamente, ‘com Deus no coração’, induz à contínuo comprometimento.
Benéfico é o contributo da religião na esfera política. Primando sempre em preservar sua independência e em resguardar a autonomia dos governos, a religião, por intermédio de conscientizados filiados, oferece balizas confiáveis para a condução de administrações cidadãs, honestas, íntegras, conscienciosamente comprometidas com o genuíno bem coletivo. Segundo o Papa Francisco, é em comunhão de ideais que se constroem sonhos!
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