Confira na íntegra a homilia do padre Charles Borg na Santa Missa dos 40 anos de ordenação presbiteral de Dom Sergio

“José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado e aceitou Maria como sua esposa”!
Toda vez que se diz SIM a Deus, o mundo muda!

Ficou registrado nos anais do campo de concentração de Auschwitz, na Polonia, que um guarda alemão foi morto pelos prisioneiros. O oficial responsável pela unidade, mandou enfileirar todos os detentos e lhes disse que se ninguém apontasse o autor do crime, ele executaria ali mesmo 20 entre eles, aleatoriamente escolhidos. Como ninguém se apresentou para denunciar, começou a escolher e ele mesmo executava o indicado. Ate que um detento, ao ser apontado implorou para não ser morto porque tinha dois filhos que precisavam dele. Diante daquela situação dramática, outro detento se apresentou para morrer no lugar daquele pai. Com desdém, o oficial concordou, mas antes de executar o voluntário, lhe perguntou: quem é você? O detento respondeu: sou um sacerdote católico!

Era Frei Maximiliano KOlbe!
Sou um sacerdote católico!
Toda vez que se diz SIM a Deus, o mundo muda!

Caríssimo D. Sergio, caros colegas sacerdotes, diáconos. Caros seminaristas, religiosas e religiosos, amado povo de Deus, a solenidade de hoje, elevando a Deus ação de graças pelos 40 anos da ordenação sacerdotal de D. Sérgio, como também de outros colegas que neste mês de dezembro celebram também mais um ano de ordenação sacerdotal, então, a solenidade de hoje induz, naturalmente, a refletir sobre o sentido e o alcance da identidade sacerdotal.

Ainda ontem, contemplamos a figura de João Batista alertando o povo que em meio deles havia alguém que não conheciam. E que precisavam celeremente conhecer! Esta advertência feita há dois mil anos, persiste atualíssima. As pessoas precisam conhecer Jesus Cristo! Assim foi! Assim é! Assim será! A Igreja colocou sobre nossos ombros, e nós dissemos SIM, ser líderes, exemplo e inspiração para o povo de Deus. Com uma missão sublime, urgente e necessária: fazer Cristo ser conhecido, amado e seguido! Sem empáfia, ao contrário, com temor, afirma-se com convicção que, todo sacerdote, na condição de testemunhas qualificada, é agente importante, não somente para a Igreja, mas também para o mundo! O ensinamento e a experiência de tantos místicos e pastores que nos precederam deixa claro que este ministério só acontece com qualidade quando fundado sobre coerente testemunho. Pregações comovem! Paramentos encantam. Mas o que induz a reavaliar prioridades e ordenar preferências é sem dúvida o testemunho de vida dos ministros qualificados. No caso de Frei Kolbe, a clara noção que possuía de sua identidade sacerdotal, que foi ordenado para dar testemunho de Jesus Cristo fez com que se oferecesse, voluntariamente, para morrer no lugar de alguém que ele, provavelmente, nem conhecia. Se o grão de trigo não cai e não morre, ele continua grão de trigo. Mas se morre dará frutos em abundância. Foi este ensinamento que o senhor, D. Sérgio, escolheu para servir de programa de vida da sua identidade sacerdotal!

Possuir clara consciência da própria identidade e dos desdobramentos embutidos em sua aceitação, representa, no momento cultural atual, imperiosa exigência. Repousa nesta básica atitude a receita para uma existência bem-aventurada. Vivemos em tempos de identidades diluídas! Relativamente poucas são as pessoas que ostentam clara noção e firme convicção quanto à peculiar identidade da sua existência. Ter clareza e convicção contribui sobremaneira para definir prioridades e articular escolhas. Identidade, de fato, não se define por decreto. Identidade se define por um ato livre e consciente que o sujeito assume e abraça, em primeiro lugar, consigo mesmo. É no interior da alma que se define e molda a identidade!

Curioso constatar que a cada quilômetro andado surgem bifurcações que obrigam confirmar rumos, reavaliar caminhos. Renovar, em suma, a própria identidade. A longa e rica experiência da mística cristã, atualmente copiada por inúmeros gurus e modernos influencers, indica três atitudes fundamentais para se chegar à compreensão da própria identidade. O silêncio interior constitui o primeiro exercício. E, convenhamos, o mais indigesto. E o mais exigente, em tempos modernos, de ruídos múltiplos e da discutível exigência de manter-se perpetuamente conectado! O exercício do silêncio interior representa intensa atividade de autoconhecimento, que demanda profunda transparência consigo mesmo. É a busca da verdade sobre a própria essência da existência. Quem, de fato, a gente é, e não quem se imagina ser. Urge ter clareza das prioridades e exigir de si que sejam cumpridas como prioridades. Imenso é o perigo, em nosso tempo, de se deixar contaminar por ambições carreiristas, de se pautar por ruídos de aplausos, sacrificando a coerência no altar da vaidade. Somente no silêncio e no recolhimento se consegue examinar tudo e ficar com o que é realmente bom e proveitoso!

A oração, entendida como franco diálogo com Deus, constitui a segunda atividade em busca da objetiva identidade. Orar, já nos foi ensinado tantas vezes e por tantas vozes competentes, representa mais ouvir que falar. É colocar-se na presença de Deus, convicto do prazer que ele tem em pousar seu olhar sobre a gente. Orar é deixar-se cuidar e conduzir por Deus! Orar é deixar-se amar por Deus! Neste intercâmbio reverente desponta cristalina a realidade da própria identidade. Emerge, simultaneamente, a nítida consciência das próprias limitações, das recorrentes falhas, e das conflitivas ambiguidades. Rico em misericórdia, o clemente Pai perdoa, cura e corrige. O revés integra a logística do progresso. Erros sempre são sanáveis. Basta ter a hombridade e os reconhecer. E a humildade para refazer caminhos! Êxito não é sinônimo de indefectível competência. Os santos são postos como exemplo porque se reconhecem pecadores; arrependidos, todavia, e convertidos. É preferível, afinal, tropeçar estando no caminho certo, que andar saltitante por duvidosos atalhos!

Para a terceira atitude fundamental na compreensão da própria identidade, permitam-me reproduzir algumas observações feitas por um bispo norte-americano, em reunião com outros colegas bispos americanos. D. Charles Chaput, bispo de Filadelfia, reflete que o maior adversário do Evangelho, e consequentemente, da Igreja, não se encontra fora da Igreja, mas dentro dela. Reconhece, sim, que existem fortes interesses que tentam tornar Cristo invisível, que investem para desacreditar a Igreja e atrapalhar sua missão. Contudo, nada disso possui o devastador poder que a divisão dentro da própria Igreja. Rivalidades, ciúmes, carreirismos, competições, ressentimentos esgarçam a rede, mancham a túnica inconsulta de Cristo, travam a marcha missionária. Não se pode nunca olvidar a prece de nosso Senhor, elevada ao Pai no momento mais dramático da sua vida: que todos sejam um, para que o mundo creia que Tu me enviaste! Somente em comunhão, em fraterna e sincera união, reunimos condições para dar testemunho convincente da presença de Cristo entre nós! Se na Igreja, na diocese, na paróquia não existe fraterna harmonia, como pretendemos convencer os cínicos que um novo mundo é possível! Não nos é permitido apagar o Espírito, advertiu-nos o apóstolo Paulo, ainda ontem! A cada sacerdote cabe evangelizar, segundo sua capacitação.

Deus fará o resto. Em seu tempo. Em sua hora! Esta é a nossa identidade! Se acreditamos nisso, nosso discurso será revestido de paixão, não de retórica! A cada um cabe fazer a sua parte. Sem cansar! Sem desistir! Ingente, sim, é a tarefa. Às vezes, até arriscada! Mas, o Espírito trabalha em nós, irmãos! Estamos revestidos de energia divina. Não nos é permitido duvidar das promessas divinas. O mundo precisa de Cristo e nós somos seus apaixonados profetas!

Na época do Rei Henrique VIII, um cidadão procurou Tomás Moro, então chanceler do monarca, e pediu que intercedesse perante o rei para conseguir um título de nobreza. Moro tentou convencer o amigo a deixar para lá essa fútil ambição. E lhe sugeriu que fosse ser professor em uma escola de periferia. Que destaque há nisso … quem valorizaria tal opção?, reagiu cinicamente o amigo. Moro respondeu: em primeiro lugar, você mesmo, sabendo, em consciência, que está contribuindo efetivamente para semear valores e educar cidadãos. Depois, seus próprios alunos, que ficarão eternamente gratos pela sua dedicação e pelo seu zelo. E por fim, e o mais importante: Deus, que repara e abençoa a maneira como você soube usar o talento que lhe deu!

Ao conhecer o projeto de Deus, José não hesitou em acolher Maria em sua casa! Assumiu integralmente sua identidade. O SIM dele e de Maria, mudou a história do mundo! O SIM de Maximiliano Kolbe mudou a vida de um detento desconhecido! O SIM de Tomás Moro procurou implantar valores na vida de um ambicioso infeliz. Nesta data, caríssimo D. Sérgio, a diocese de Araçatuba dá graças a Deus porque o Senhor disse SIM a um chamado. Somente Deus sabe quantas vidas foram afetadas com este SIM. Roga, igualmente, a diocese para que o seu SIM persista tão vibrante e apaixonado a ponto de contagiar o SIM de todo o rebanho confiado ao seu ministério.

Parabéns, D. Sérgio e AD MULTOS ANOS!

Pe. Charles Borg
18.XII.2023.

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