Cúmplices, artigo do padre Charles Borg

Admiram-se os trapezistas. Voam com impressionante desenvoltura no espaço a realizar fantásticas coreografias, protegidos por uma, aparente, frágil rede. Os mais atrevidos até esta proteção dispensam, tamanha é a confiança no parceiro. Maravilha-se observando a perfeita sincronia entre o saltador e o ‘agarrador’. Ao realizar seus mais mirabolantes voos, o saltador deposita plena confiança na precisão do tempo do agarrador. O saltador joga-se no espaço certo que o agarrador estará á postos no momento certo. Confiança e lealdade representam condições indispensáveis na construção de uma sólida parceria. De qualquer natureza. Genuínas amizades,

igualmente, nascem e se solidificam a partir dessas virtudes. Entre os trapezistas a sincronia é consequência de exaustivos treinamentos. Entre amigos a empatia se consolida progressivamente, a medida que as partes deem demonstração de suas genuínas intenções. A confiança se complementa com a lealdade. A lealdade cresce com a confiança. Gradualmente, a aproximação se fortalece e estabelecem-se entre as partes, de um modo livre e sólido, laços de companheirismo e de afeto. Sente-se bem na companhia do amigo sem que se cogite transformar o afeto em domínio.

Quer-se bem ao outro sem a pretensão de tornar-se dono de sua vida. Autêntica amizade preserva liberdades. Respeita as diferenças. União não quer dizer uniformidade. O que deforma o afeto, normalmente, é a obsessão com a exclusividade. A mania da possessão, sinal inequívoco de insegurança de personalidade, origem de frívolas discussões, abre espaço para o ciúme doentio, causa frequente de destruição de afetos. É em ambiente de liberdade, curiosamente, que a confiança e a lealdade se solidificam!

A amizade opera sutis transformações entre as partes. A aproximação é de tal forma profunda e livre que traços, tiques e jeitos típicos de falar e de agir são imperceptivelmente incorporados pelas partes. Admiração costuma evoluir em imitação. Tamanha semelhança se observa, principalmente entre casais. Como também entre pais e filhos. A influência pode, inclusive, afetar escolhas mais profundas relativas a identidades pessoais, como religião, esportes e artes.

Essas transformações acontecem naturalmente, sem imposições e sem cobranças. Entre amigos o respeito pela individualidade mútua é sagrado. Transportada ao nível espiritual, essa sincronia possui o potencial de santificação, ajudar o outro a progredir na caridade e expandir-se em iniciativas de bondade. É a razão lógica por detrás da afirmação que o casamento entre partes cristãs é sacramento de santificação. Amigos são agentes de mútua transformação. E não há amizade mais íntima e mais sólida que aquela entre casais que se amam por opção.

O grau de transformação mede a intensidade do afeto.

Avançam na ousadia dos saltos os trapezistas a medida que se solidifica entre eles a confiança na habilidade e na lealdade do parceiro. Cúmplices, se regozijam nos êxitos mútuos. Atrevem-se à voos mais altos. Entre amigos não há rivalidade. Bane-se a competição. Transparentes, festejam a complementariedade. Em amizade o que importa mesmo não é ter amigos, mas ser amigo!

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