Mais que aparecer, é preciso ser! De alcance universal, este adágio aplica-se perfeitamente ao contexto religioso. Místicos e teólogos, ao longo dos séculos, insistem, apoiados em textos inspirados, que não basta se apresentar como cristão. Mais urgente é adotar comportamento genuinamente cristão. Analistas religiosos chegam a afirmar que o atual descrédito pelo que passam a religião cristã e os cristãos deve-se à acentuada dicotomia entre credo e conduta. Doutrinalmente professam-se verdades e defendem-se valores que, na prática, não são seguidas.
Os familiarizados com a trajetória do Senhor Jesus logo lembram como esta incongruência foi enérgica e repetidamente censurada por ele. Jesus insistia que, mais que a vistosa liturgia, Deus privilegia a prática da misericórdia. Num pronunciamento memorável, ao prenunciar a realização do juízo final, coincidentemente direcionado aos discípulos, Jesus colocou a misericórdia e a solidariedade como referências decisivas para o ingresso no Reino. Segundo Ele, somente pode ser chamado de bendito quem se esforça a transformar a existência própria em bênção para o semelhante. A exemplo, alias, do próprio Rabi que andou fazendo o bem por onde passou.
Os maiores adversários do cristianismo, como foram da religião judaica no tempo dos profetas e de Jesus, são a abordagem marcadamente institucional e a manipulação ideológica do depósito da fé. Teólogos críticos desta dicotomia entre credo e conduta têm demonstrado preferência por um cristianismo sem religião. Uma fé em um Deus oculto! Nesta escola de pensamento, minimizam-se o apego doutrinário e liturgias vistosas em favor de um comportamento pautado pelos valores da caridade, da justiça e da solidariedade. Defende-se que, afinal, o Reino que Jesus veio implantar representa um regime de vida baseado na justiça, no amor e na paz.
Esta aproximação envolve estabelecer uma coerente continuidade entre catequese e ética comportamental. Sem abrir mão da ortodoxia e das tradições litúrgicas, foca-se na adoção de costumes coerentes com o evangelho, muitos deles em franca oposição com as preferências do mundo. Difuso é o dualismo religioso. Professa-se amor a Cristo, condena-se a cristofobia, mas adotam-se comportamentos diretamente conflitantes com os postulados da justiça, da solidariedade e da paz. Ambígua é a postura de quem promove Cristo sem comprometer-se, de maneira enfática, com a prática de uma justa solidariedade.
Este tipo de cristianismo de vitrine, de consumo externo, que, infelizmente, contamina algumas das atuais denominações religiosas, mais prejudica que ajuda a difusão da fé! Ao defender um cristianismo sem religião, os teólogos exaltam a luta por justiça e por fraternidade abraçada por cidadãos que preferem professar seu credo em obras concretas de caridade e de fraterna aproximação.
Emerge, espontaneamente, indigesta e interpeladora constatação: encontra-se gente que pratica o evangelho sem confessar religião alguma, ao passo que não é tão raro topar com cidadãos que gabam-se de sua identidade religiosa, cuja conduta, contudo, destoa abertamente dos postulados evangélicos. Antes de integrar claques, o cristão precisa ser fermento!
Na religião, a discrição é preferível ao espetáculo. Antes mãos estendidas que braços entusiasticamente erguidos! Interpelador permanece o ácido verso do cantor Cazuza. Ao contemplar a majestade do Cristo Redentor, lamenta a frieza da imponência dos braços abertos, que não acolhem, não afagam, não alimentam! Menos exibição, mais solidariedade!