O braço poderoso de Deus emoldura toda a liturgia da Vigília Pascal. Enriquecido ao longo dos séculos, o ritual preserva como inspiração a benéfica intervenção divina na história da humanidade. Evoca a criação, expressão original do imenso desejo divino de partilhar sua glória, de forma preferencial, com o ser humano. Aparece novamente a força do braço divino na espetacular libertação do povo hebreu da escravidão egípcia. E culmina-se na singular ressurreição do Filho Amado, Jesus Cristo!
Observa-se como ao recorrer à força de seu braço, Deus sempre busca o bem superior da humanidade. Na criação, segundo o relato bíblico, o ser humano tem à sua disposição todas as criaturas. Na libertação da escravidão, o povo hebreu recupera sua dignidade de nação livre, condenação mais que explicita contra toda e qualquer dominação arbitrária. Na peculiar ressurreição de Jesus, o braço poderoso de Deus confirma a supremacia da caridade sobre toda ambição e preconceito. Ao ressuscitar dos mortos, Jesus não destrói nenhum inimigo, ao contrário, indica às pessoas de boa vontade que o caminho para uma realização plena encontra-se na pratica do bem.
Ressurgindo, Jesus responde implicitamente a um angustioso dilema existencial que tortura a mente humana: importa mais descobrir como se deve viver que decifrar porque se existe! Ao encontrar sentido para as próprias atividades e articulá-las de acordo, o ser humano redescobre a propósito de sua existência. Ao ressurgir e confirmar a supremacia da caridade, o Senhor Jesus apresenta a receita para uma existência profícua.
Gestos humanitários dignificam. Possuem valor transcendente. Não caducam. Nunca se esgotam. Uma existência humana pautada pela caridade não conhece ocaso. Nunca é estéril! A fé na ressurreição revitaliza a história do crente e, como natural consequência, carrega inato potencial para beneficiar mais gente, indiscriminadamente.
A consequência mais revolucionária do mistério da ressurreição é a certeza que Jesus, o mesmo Jesus que andava pela Palestina, vive na história. Esta presença não é imaginária, nem sentimental. É real e, consequentemente, ativa, embora não visível nem palpável. Péssimo equivoco de estratégia seria imaginar proclamar esta verdade recorrendo à argumentação teológica. Os céticos de todos os tempos, assim como os primeiros discípulos, precisam ver para crer! O mundo só se convence da relevância da fé na ressurreição a partir de gestos concretos e contínuos de caridade benfazeja, praticados de forma indiscriminada. Afinal, essa proposta de amor fraterno indiscriminado, foi indicada, explicitamente, pelo próprio Cristo ao alertar seus discípulos que tudo o que fizerem ao menor irmão ele considera como feito a si. A presença de Jesus é tão real quanto interpeladora se faz a presença do irmão! Cristo não vive nas nuvens, nem no imaginário piegas do devoto, mas nas prementes urgências do semelhante.
Na atual conjuntura da epidemia, carece total desconhecimento bíblico imaginar que o poder de Deus se manifestará numa varrida milagrosa do vírus! Crer na ressurreição, como crer no poder de Deus, representa, na presente circunstância, zelar responsavelmente pela vida do semelhante, aliviando a enorme sobrecarga que recai sobre os profissionais de saúde e sobre o sistema hospitalar em geral. Cristo vivo é o irmão por quem se deve zelar e impedir que seja infectado! A fraternidade assumida radicalmente é a profissão mais convincente da fé na poderosa ação de Deus!
Padre Charles Borg é vigário-geral da Diocese de Araçatuba