Outro mundo, por padre Charles Borg

O grito do Hosana abre as celebrações da Semana Santa! O canto do Aleluia as encerra! Entre o grito e o canto desenrola-se a impactante, e dolorosa, jornada de Jesus! A euforia do Hosana é acompanhada por uma densa prece litúrgica: que se aprendam os ensinamentos da paixão e morte do Senhor e, assim, reunir condições para cantar o jubiloso Aleluia! O Hosana aponta para o Aleluia. O Aleluia nasce do Hosana!

A aclamação Hosana quer dizer “Deus salva”! Ao aclamar Jesus com os gritos do Hosana, seus contemporâneos, presumivelmente contagiados pelo empolgado grupo de discípulos, reconhecem nele o restaurador do reinado de Davi, tão ansiosamente aguardado por sucessivas gerações de judeus! Obcecados viviam com a recuperação da hegemonia política! Por sua vez, Jesus, embora assumisse o papel de redentor, esforça-se duramente para desassociar-se da dimensão meramente política. A emancipação política é consequência natural de uma libertação interior, mais profunda e mais universal. A saudação é fundamentada, mas precisa ser corretamente compreendida.

Razão porque Jesus decide montar num burrico e logo em seguida da festiva recepção refugiar-se novamente ao povoado de Bethânia. A sucessão de eventos comprovaria o que Jesus vinha ensinando e demonstrando pelas iniciativas tomadas em sua jornada pelas estradas da palestina. Seu objetivo é libertar a humanidade da contumaz, e perniciosa, tendência do exacerbado egocentrismo, a mania de buscar sempre garantir as próprias vantagens, nem que para isso fosse preciso prejudicar outros. Importa para o desajustado ser humano garantir a felicidade, salvar a própria vida.

Explícita e repetidas vezes, o Rabi alerta que o excessivo apego ao conforto, ao contrário de assegurar tranquilidade, provoca frustrações. O grão de trigo que resiste cair em terra e morrer, fica só! Os muitos bens acumulados com avareza isolam e deprimem. Ilusória é a realização opulenta, e solitária! É preciso abrir portas. Escancarar janelas! Dividir e partilhar, em suma! É preciso compenetrar-se, quanto maior a despretensão e a partilha, mais difuso o bem-estar, menor o medo.

Jesus leva o esquecimento de si até o fim, entregando a própria existência humana para gerar vida abundante para muitos! Não sem experimentar, contudo, a mais terrível das provocações. Enquanto crucificado, é instado a demonstrar sua força descendo da cruz. Se salvasse a própria pele, os opositores prometem aderir ao seu projeto! Juram acreditar nele!

Ora, caso cedesse à terrível tentação, Jesus pulverizaria toda sua jornada, igualando-se aos impostores libertadores de pátrias! Quantos, desses autoproclamados salvadores da pátria, quando a corda aperta para o lado deles, sem nenhum escrúpulo simplesmente abandonam seus concidadãos, esquecem seus inflamados discursos, para esconder-se em refúgios seguros! Bravamente Jesus resiste! O poder com que está investido não serve para bravatas exibicionistas. É para ajustar escolhas e mudar o rumo da história. A humanidade precisa entender que a libertação mais almejada não é de algum inimigo exterior, mas de uma perversa inclinação interior que deforma o ser humano e corrói o coletivo convívio!

O desfecho lógico dessa transcendente jornada redentora é a ressurreição! A ressurreição do Senhor Jesus confirma, dentro de fascinante coerência lógica, a intuição presente no mais fundo da alma humana: o segredo do bom viver está no colocar-se, espontânea e generosamente, a serviço do semelhante. Hosana! Páscoa é a libertação da obsessão pelo domínio para a generosidade do serviço. Da mania da idolatria do ego para a gratuidade da caridade! Aleluia, pela vida, pela fraternidade, pela paz! Ecoando preciso resumo da boa nova: seguir Jesus pode não ser economicamente vantajoso nem receita infalível para virar celebridade. A aposentadoria embutida, todavia, é de outro mundo!

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