Padre Charles Borg: Mamma Moretta, homenagem Josephine Bakhita

Escravidão é realidade! O tráfico de pessoas – homens, especialmente mulheres e crianças – representa o que se denomina hoje como a moderna escravidão. Segundo estatísticas oficiais mais de cinquenta milhões de pessoas se encontram atualmente nesta situação humilhante e cruel. O número assusta e revolta. Pessoas são aliciadas ou mesmo roubadas à força para, no caso de homens, garantir mão de obra barata e no caso das mulheres para a exploração da prostituição. Quando se trata de crianças, o tráfico as encaminha para o sórdido mercado de órgãos. Crianças são mutiladas e, eventualmente mortas, para abastecer a infame indústria de tráfico de órgãos humanos. O tráfico humano é o mais abjeto dos pecados, porque leva ao extremo o desrespeito para com a dignidade do outro.

Por razões óbvias, é sempre difícil oferecer números exatos, mas estima-se em mais de dez milhões de crianças traficadas pelo mundo. Este quadro infame torna-se ainda mais repugnante face ao pouco destaque que recebe na mídia. Um assombroso silêncio encobre o mais hediondo pecado humano! Extensa rede de agentes graúdos trabalha de forma articulada, contando com a corrupção e conivência de autoridades alfandegárias e políticas, no incremento deste desprezível comércio. Aproveitando-se de situações de miséria, sofrimento e abandono, agentes infiltram-se em becos e favelas para aliciar com falsas promessas pessoas vulneráveis. Fato é que o mundo precisa acordar para esta abominável e vergonhosa praga: a venda de seres humanos! Sim, trata-se pura e simplesmente disso: gente – homens, mulheres e crianças – reduzida à mercadoria num sujo comércio que envergonha a humanidade.

Como forma de despertar contra e combater a moderna escravidão, a Igreja Católica estabeleceu o dia 08 de fevereiro como o dia de oração e ação contra a exploração do ser humano! Neste dia celebra-se a memória de santa Josephine Bakhita, uma freira de origem sudanesa, vítima de tráfico humano ainda criança em seu país natal. O sofrimento vivido nos tempos da escravidão, quando sofreu todo tipo de abuso, sexual inclusive, fez com que ela esquecesse até o nome dado a ela em sua família natural. Cinicamente, seus captores lhe puseram o apelido de bakhita, que em sudanês significa afortunada. Após um período de humilhações em mãos de vários patrões nativos, Bakhita foi comprada por uma família italiana que eventualmente a levou consigo até a Itália. Isto aconteceu por volta do ano 1890.

Ela recorda que pela primeira vez, desde sua captura, ninguém a bateu ou maltratou. Ao contrário, encontrou atenção, consideração e carinho. Sentiu-se, pela primeira vez, tratada como ser humano. Comissionada a ser babá de uma das netas de seus “patrões”, Bakhita começou a acompanhar a criança nos encontros de catequese, quando, segunda ela mesma confessa, encontrou o Deus que sempre sentia presente em seu coração mesmo que O não conhecesse! Ela define o dia de seu batismo como o dia mais feliz da vida. Emancipada com o nome de Josephine, ingressou na comunidade das Irmãs Filhas da Caridade, dedicando sua vida a combater justamente o tráfico de seres humanos. Foi pela dedicação nesta luta que recebeu, em vida, o carinhoso apelido de Mamma Moretta, a Mamãe Negra. Bakhita, “mercadoria” que virou santa!

O silêncio que abafa o vil comércio do tráfico de seres humanos representa eloquente evidência tratar-se de lucrativo negócio envolvendo gente graúda na sociedade. Ao instituir o dia de oração e ação contra o tráfico humano, a Igreja conclama todas as pessoas honestas não somente a orar para que esta hedionda praga seja eliminada, mas também a agir denunciando possíveis abusos. Despertar consciências para a realidade contribui para extirpar esta dolorosa maldade!

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