Extremamente tenso é o momento atual! A deliberação do Supremo de impedir a prisão antes que fossem julgados todos os recursos, com a consequente soltura, entre outros, de notórias figuras publicas, além de contrariar uma difusa expectativa popular, vem alimentando um clima de confronto entre cidadãos.
A polarização ideológica, que já estava evidente, está ficando ainda mais acirrada após a apertada decisão da suprema corte. O próprio fato de a decisão ser ratificada pela vantagem mínima atesta, confirma e alimenta o debate entre os extremos. Fatores outros complicadores, como bravatas comportamentais e linguajar insultuoso, elevam ainda mais os temperamentos passionais. Nesse terreno da política, como no futebol, paixões descontroladas mais complicam que ajudam.
Em paralelo à situação política, nota-se, com justificada apreensão, o recrudescimento de uma mentalidade de intolerância a contaminar vários setores do convívio social. Surtos autoritários estão ficando evidentes em variados campos da vida: aumentam os casos de racismo e de intolerância diante de opções sexuais, a divisão, no campo religioso, entre segmentos renovadores e grupos tradicionalistas e a guerrilha digital que toma conta das redes sociais, multiplicando mentiras, semeando calúnias e destruindo reputações. No atual contexto polarizado, quem pensa diferente é considerado inimigo a ser sistematicamente perseguido e exemplarmente calado.
Esse difuso clima de exacerbado antagonismo, ora a contaminar também o cenário político, dificulta sobremaneira o civilizado convívio entre cidadãos. Coloca em sério risco, inclusive, o próprio sentido de democracia, que garante a pluralidade de opiniões e estimula a livre circulação de ideias. Em contextos radicalizados difícil se torna o diálogo. E quando se aborta o diálogo, diferenças costumam ser resolvidas á tapa!
E brigas, sabe-se muito bem, geram somente feridos e ressentidos! Já foi dito, aliás, que quando se recorre ao tacape é porque faltam argumentos! Emerge, nesse delicado cenário, a imperiosa contribuição que compete, precipuamente, à comunidade cristã! Inspirada e educada nos valores evangélicos, a família dos discípulos de Jesus deve sentir-se convocada a testemunhar e promover o convívio respeitoso, mesmo entre os diferentes.
Sem que se exija dos próprios integrantes que abrissem mão de suas convicções pessoais, a comunidade, quando realmente escolada nos ensinamentos do Mestre Jesus, saberá propor e demonstrar que discordantes podem, sim, conviver harmoniosamente. Não é preciso, nem saudável é, que todos pensem igual. Quem pensa diferente, refletia Dom Helder Câmara, não é meu inimigo. Ao contrário, me completa!
O cristão, moldado no pensamento de Jesus e marcado por suas atitudes, age como arauto da tolerância, do pensamento plural, da conduta compreensiva. Sem abrir mão das próprias convicções, saberá defender com sóbria firmeza as próprias preferências, mas saberá igualmente ouvir civilizadamente o pensamento oposto, analisar e debater, descartando resolutamente insultos e provocações. Banem-se os ódios. Apagam-se os ressentimentos. Suprimam-se os insultos! A hora demanda lúcidos juízos. Nada ganha o país com a divisão de seus cidadãos. A hora demanda reflexiva conduta. A hora é do cristão marcar presença!
Padre Charles Borg é vigário-geral da Diocese de Araçatuba.