“Pai. Perdoai”, tema do artigo semanal do padre Charles Borg

Esta será mais uma Semana Santa diferente! Precavidos diante da escalada do contágio, os fiéis necessitarão de adicional esforço para celebrar os mistérios da redenção sem, evidente, desencarnar-se da realidade que os mantém sobressaltados. Reproduzo, com o objetivo de alimentar a reflexão na Semana Santa e também como inspiração para celebrações encarnadas no atual contexto, trechos de um artigo do Rev. Martin Luther King, heroico defensor da igualdade racial. O contexto do conteúdo, evidente, era outro, mas a situação de angústia e de apreensão aproxima as realidades e torna a reflexão particularmente relevante. Ressalta-se que os comentários do revendo negro se inspiram na prece de Jesus crucificado, o que torna suas observações particularmente oportunas para esta semana sagrada.

Ao pedir perdão por seus algozes – escreve King – Jesus testemunha a suprema coerência verificável em sua vida entre ensino e prática. Passou seu inteiro ministério falando do perdão e da misericórdia divina e com este seu pedido na cruz, Jesus ensina que o perdão nunca deve ser ato isolado, mas atitude permanente, valor a pautar condutas e reações. Ao pedir ao Pai que perdoasse porque ‘não sabem o que fazem’, Jesus ressalta que o pecado maior entre seus algozes é sua cegueira intelectual e espiritual. Cegueira é o problema. Discernimento, urgente necessidade. Há gente que imagina, continua King, que provocações e conflitos resolvem situações de tensão.

Não são pessoas más. São, até, gente boa, cidadãos respeitados, revestidos, inclusive, de mantos patrióticos. O sistema escravagista persistiu porque era patrocinado por pessoas honestas, mas espiritualmente ignorantes. Reconheço que entre os mais ardorosos defensores da segregação havia gente sincera em suas convicções. King enxerga essa ambiguidade como sinal dos tempos. Afirma que coerência e fidelidade não são suficientes. A história demonstra que essas distintas qualidades podem facilmente se transformar em vícios trágicos. Nada é mais perigoso que ignorância sincera e estupidez coerente, pondera o reverendo. Há muita liderança bem intencionada, mas espiritual e intelectualmente míope. O que não chega a ser suficiente para justificar suas ambíguas decisões. Ao contrário da cegueira física, resultado muitas vezes de circunstâncias imprevisíveis, a miopia intelectual e moral resulta, frequentemente, de um mau uso da liberdade e da negligência de aproveitar a totalidade da capacidade intelectual.

Chegará o dia, prossegue o reverendo, quando o mundo compreenderá que emoções nunca estarão totalmente calibradas se o entendimento permanece obtuso.

Assim como no tempo de King, vive-se uma crise de ingentes dimensões sanitárias, espirituais e intelectuais. Emerge, então, o papel que cabe à Igreja nesta situação. King reflete que a Igreja deve ensinar as pessoas a agirem corretamente, com bondade e misericórdia. É também imperioso, prossegue o pastor, que a Igreja demonstre que boas intenções e retórica comovente, sem corretas e coerentes iniciativas, evoluem para forças negativas com potencial de crucificar inocentes.

É dever constante da Igreja despertar as pessoas, as lideranças em particular, para sua responsabilidade de aprimorar conhecimentos e ajustar condutas. Chega-se a este estágio de entendimento buscando informações balizadas, aprendendo com fatos e deixando-se orientar por gente que domina assuntos. Para agir com sensatez, lembra King, não é necessário ser um estudioso brilhante, nem é preciso ser acadêmico de carreira. Basta que se esteja aberto à verdade, comprometido em aprender, disposto a dialogar e, se precisar, humilde o suficiente para mudar de posição.

Intencional ignorância, conclui King, é grave pecado. Induz, naturalmente, à trágicas consequências. Que se contemple a Jesus crucificado e se comungue sua prece: PAI, PERDOAI!

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