Pandemia: conversando sobre a vida, por padre Edgar Souza

Pe. Edgar Souza Lima*

Pandemia! Esta palavra invadiu o nosso vocabulário de forma geral. Não tem conversa que não apareça alguma citação a algum contexto da pandemia.  Gente que ficou doente e sarou, gente que morreu, gente que não pegou, governos que levam a situação para o seu bem político pessoal ou partidário e tantas outras conversas. O que iremos conversar quando tudo isso acabar?

Na verdade, me coloco a escrever com algumas perguntas que o meu coração já vem fazendo a algum tempo. Diante de tantas mortes, tantas contaminações e também de tantas curas o que vai ficar para o futuro?

Se você está lendo este texto é porque de alguma forma você até agora venceu a Covid. Não importa se nunca fez exames e então não sabe se já teve ou não. Não importa se já pegou e teve sintomas leves ou se teve sintomas graves, passou mal em casa ou foi internado e recebeu alta. Você está vencendo!

Eu coloco o verbo no presente. Por ora estamos vencendo.  Até quando? Só Deus sabe e ninguém mais. Já morreram brancos e negros, pobres e ricos, crianças, jovens, adultos e idosos. Já morreu gente que tinha saúde boa e gente que tinha saúde ruim. Já morreu gente que nem sabia se tinha saúde boa ou ruim. O fato é que muita gente se foi. Gente de perto e gente de longe. Gente de coração bom e de coração ruim. Gente boa e gente maldosa. Gente alegre e gente triste. Gente que amava a vida e gente que nunca gostou de viver. Gente que era só um número nas estatísticas e gente que era parte de nós.

Dizer que está tudo tranquilo é uma ilusão. Penso que estamos com muitas perguntas. Algumas ousamos fazer em voz alta e outras não. Só sabemos que ainda estamos por aqui. Sabemos que alguns se cuidam e outros não. Sabemos que tem pessoas cheias de esperança, outras cheias de medo e outras cheias de dor. E há algumas pessoas sem respeito nenhum pela dor alheia.

Nos grupos que frequentamos cada dia é um dia. Não sabemos quem vai estar no próximo encontro, na próxima reunião, seja presencial ou virtual. É muito estranho, mas agora estamos assim: “lembra do fulano”? Morreu. “Sicrano não chegou ainda”. E já nos perguntamos: “será que é grave?”

Quando nos perguntam por mensagens se estamos bem já concluímos que tem alguém pensando que estamos doentes e fazemos questão de responder logo que está tudo bem. Temos esta necessidade de afirmar que estamos com saúde. Mas se tivéssemos coragem, se tivéssemos consciência, diríamos que não está nada bem. Que estamos com medo, com uma ansiedade acima do normal, com dores emocionais, com muitas incertezas no coração e com muitas saudades das pessoas que se foram e saudades da vida que era tão diferente a quinze meses atrás.

E nós continuamos a nos perguntar por que as pessoas que a gente ama estão indo embora de nossas vidas. E a gente sabe somente que estas perguntas não têm respostas. Alguns se foram e nós estamos ficando e temos muita vontade de continuar vivos e com saúde, mas sem saber até quando também, mas o fato é que nossa hora ainda não chegou. E isto traz um sentimento de gratidão dentro do peito.

Hoje chego à conclusão de que precisamos mudar a pergunta. Não conseguimos mesmo responder por que no Brasil quase meio milhão de pessoas morreram! Não conseguimos entender por que tanta gente se contaminou e outras não. Não conseguimos entender por que tanta gente que ficou entubada por meses se salvou e gente que ficou dois dias morreu.

Podemos até estar gratos porque estamos vencendo, mas não sabemos por qual razão estamos vencendo e nem até quando venceremos. E aqui talvez seja hora de mudar a pergunta para algo que talvez tenhamos a resposta ou buscaremos com mais clareza estas respostas: por que ficamos.?

Não sabemos. O que temos que aprender ou ensinar? Que história ainda temos que deixar no coração das pessoas. A estas perguntas também não temos respostas. Mas talvez tenhamos respostas sobre o que queremos fazer daqui para frente. Como queremos levar nossas vidas. Quais os sonhos que ainda temos e por onde e quando começar.

Talvez seja hora de lembrar que a vida é um instante. E como eu quero viver os dias que me serão dados? Eu ainda sigo perguntando por que ficamos? Sigo me perguntando o que eu ainda quero desta vida. E algumas coisas já sei. Algumas coisas já dei passos e outras ainda são só um projeto no coração que a coragem não conseguiu encaminhar.

Se você ainda está lendo, já parou para pensar por que não foi conosco? Quem viu a família definhar em um mês e agora segue sozinho; quem viu o amigo sofrer a dor da perda e quem ainda não teve nenhuma morte na família, quem ainda não foi contaminado. O que a vida espera de nós?

Sendo otimista ou querendo dar um tom de otimismo pela frente, penso que mais do que pergunto:  o fato de nós ainda não termos morrido é na verdade uma necessidade de indagarmos como queremos viver. O que ainda quero fazer? Que história queremos escrever no coração das pessoas?

É bem isso! Tem uma vida inteira nos esperando. No futuro alguns de nós haverá de contar que foram anos difíceis, mas sobrevivemos. Não sei se precisa de pressa para conseguirmos fazer o que ainda queremos, mas precisamos de sonhos, de vontade de viver e de atitude para seguir, pois a leveza é uma destas atitudes. Não é pressa, mas sim amor; não é medo, mas esperança; não é morte, mas sim é vida a cada dia que abrimos os olhos e dizemos felizes que estamos vivos!

Já que ainda estamos neste mundo de que forma queremos ficar? Já que Deus continua a nos dar uma oportunidade de que forma podemos melhor aproveitar?

*Padre Edgar Souza Lima é adminstrador paroquial da Paróquia Divino Espírito Santo de Araçatuba