Muita razão tem a Igreja ao afirmar que é diante da morte que o enigma da existência humana atinge seu ponto mais alto (Cf. Gaudium et spes, nº 18). De fato, embora seja certa para todos os seres humanos, a realidade da morte permanece como um mistério profundo, que, continuamente, coloca diante de nós a pergunta acerca do sentido último da nossa existência.
Envolvida pelo véu do desconhecido, ela tem alimentado, ao longo dos tempos, a reflexão e a imaginação de muitos, bem como servido de tema para as mais diversas expressões artísticas.
Celebrando, neste dia 02 de novembro, a memória daqueles que já faleceram – Dia de Finados – somos convidados a acolher o que a doutrina católica tem a dizer a respeito do mistério da morte, à luz das Sagradas Escrituras e da Tradição da Igreja, a fim de que se renove nossa fé no Cristo Ressuscitado e se confirme nossa esperança na ressurreição e na vida eterna.
O costume de se celebrar a memória de todos os fiéis defuntos em um único dia aparece no século IX, inspirado na tradição monástica de se consagrar um dia à oração pelos mortos. Porém, foi no século XI, no mosteiro beneditino de Cluny, que o dia 02 de novembro foi dedicado à celebração de todos os fiéis falecidos, costume que, progressivamente, foi se estendendo a toda a Igreja. A faculdade de se celebrar três Missas nesse dia remonta ao século XV, tendo sido estendida a todos os sacerdotes católicos pelo Papa Bento XV, em consideração aos inúmeros mortos durante a Primeira Guerra Mundial.
O autor da carta aos Hebreus afirma que “está destinado aos homens morrer uma só vez, e depois disso vem o Juízo” (Hb 9, 27). De fato, por meio da morte, o corpo volta à terra de onde veio, enquanto a alma, que é imortal, vai ao encontro do Senhor para se unir novamente ao corpo quando este, glorificado, ressuscitar por ocasião da vinda de Cristo, no fim dos tempos.
A vida eterna, que se inicia com a morte corporal, é precedida pelo juízo particular realizado por Cristo em relação à fé e às obras de cada um, que vai conceder o acesso à glória do Céu, imediatamente ou depois de uma adequada purificação. O Purgatório é o estado dos que morrem na amizade com Deus, mas precisam, ainda, de purificação para entrar no Céu (Cf. Mt 25,31-46; Jo 5, 28-29; Jo 11, 25-26; Jo 14, 1-3; Rm 8, 11; 1 Cor 15).
Inspirada em uma célebre meditação de Santo Agostinho, a Igreja reza na Santa Missa pelos Defuntos: “Senhor, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada. E, desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível” (Prefácio dos Mortos I). De fato, pela fé, sabemos que a morte não destrói a vida, mas a transforma e, com a transformação do modo de existir que a morte inaugura, transforma-se, também, a maneira de nos relacionarmos com aqueles que amamos e que já passaram para a vida eterna, na qual também nós, um dia, queremos ingressar.
Neste dia de Finados, pensemos que a reflexão sobre a morte e o sentido da vida, bem como o costume da visita aos cemitérios e da oração pelos que já faleceram poderão nos ajudar a não perder de vista o que significa a fé na vida eterna, dando-nos coragem para amar, ainda mais intensamente, a Deus e as pessoas e de trabalhar para que este mundo seja o princípio do Céu para o qual se encaminha a peregrinação da nossa existência.
Como bem disse o Papa Emérito Bento XVI, “somente quem pode reconhecer uma grande esperança na morte, pode também levar uma vida a partir da esperança” (Audiência Geral de 02 de novembro de 2011). A fé cristã, cuja fonte é o mistério pascal da Morte e Ressurreição de Cristo, assegura-nos que, para além da vida presente, não é o nada que nos espera, mas o encontro com o amor de Deus, supremo e infinito, que supera todo medo, sofrimento e, até mesmo, as fronteiras do tempo e do espaço.
Neste dia de Finados, em virtude do mistério da Comunhão dos Santos, ofereçamos nossas orações de sufrágio pelas almas daqueles que já faleceram, em particular a Eucaristia, bem como nossas obras de caridade e penitência. Mas rezemos, também, por nós mesmos para que, vivendo a vida presente com coerência e equilíbrio, mereçamos, um dia, entrar na alegria do Céu, onde viveremos para sempre com Cristo, ressurreição e vida para quem n’Ele crê (Cf. Jo 11, 25).
**Padre Jefferson Antônio da Silva Monsani é oároco da Paróquia São Pedro Apóstolo, de Gabriel Monteiro e administrador paroquial da Paróquia São José, de Piacatu.