Referência, artigo do padre Charles Borg

Modelos priorizam atenções. Polarizam reações. Normalmente, associam-se os predicados dos modelos a atributos externos que por sua excelência inspiram emulação. Esse processo denuncia e, simultaneamente, alimenta uma tendência sempre presente no ser humano, o culto da personalidade. O ser humano concebe o sucesso como um processo subjetivo ascendente, galgando degraus até alcançar o topo da fama.

O substrato natural, embutido nesta dinâmica, é a ambição, o desejo, em tese saudável, de aperfeiçoar-se mais e melhor. Quando, todavia, esse impulso motivador fica demasiadamente sujeito ao culto da personalidade, concentrado num subjetivismo exacerbado, a probabilidade de deixar rastros de abusos, explorações e manipulações, cresce enormemente. A obsessão pelo próprio sucesso passa a ser a única regra ética a pautar condutas e avaliar iniciativas. Ignoram-se valores coletivos e desprezam-se princípios básicos de decência e honestidade. Promove-se um egocentrismo sem remorsos. Íntima e ansiosamente, a alma humana procura por outros possíveis caminhos que garantam sucesso, sem necessariamente deixar rastros de sofrimento e de desolação.

O mundo cristão celebra a vitória de um protótipo alternativo, Jesus Cristo! É preciso destacar com ênfase que Cristo não derrotou adversários religiosos ou políticos. Enfrentou, na verdade, o grande vilão da humanidade que é a ambição desmedida que distorce valores, vicia análises e atrapalha entendimentos. Sim, a raiz do mal que desfigura o ser humano chama-se soberba, com seus naturais afluentes da pretensão e da arrogância. Foi justamente a presunção de querer se igualar a Deus que rompeu a comunhão original entre o divino e humano, quebrou a harmonia com a natureza e transtornou o convívio pacífico entre a família humana. À medida que essa ambição persiste, inebriando a alma humana, tragédias se sucedem ininterruptamente. Repara-se como o personalismo excessivo perturba os relacionamentos, inclusive nos microcosmos da família, do trabalho, do convívio social. Na sociedade moderna, a regra básica é garantir o próprio conforto, satisfazer necessidades pessoais imediatos, assegurar vantagens enfim, pouco se importando com o desconforto que possa ser provocado na vida de terceiros. É o tal substrato do egoísmo sem remorsos! Para desqualificar a perversão dessa excessiva concentração personalista, o Senhor Jesus adota e propõe o caminho do esvaziamento.

Marcados certamente pelo impacto vital da ressurreição, os primeiros seguidores foram se compenetrando da profunda e libertadora estratégia divina. Jesus adota o caminho inverso de Adão, que sendo homem ambicionou ser deus! Cristo, sendo Deus, esvazia-se de sua condição divina e assume a condição humana. Buscando reforçar a lição de humildade, rebaixa-se ainda à condição do mais desprestigiado entre os seres humanos, o escravo. Literalmente, Cristo ocupa o último lugar, e desce ainda um degrau de desprestígio ao oferecer sua vida a morrer na cruz. Em sintonia com a vontade do Pai, Jesus refaz, na contramão e pedagogicamente, o caminho do Adão.

A presunção escraviza, degrada o ser humano, causa conflitos e desilusões. O Homem quer ser livre, Deus também assim o quer. O caminho é o esvaziamento de si em favor do semelhante, desapego que reduz drasticamente áreas de conflito e favorece sobremaneira o convívio pacífico duradouro. O desfecho surpreendente desse progressivo esquecimento é a ressurreição que devolve a Cristo sua original excelência e lhe assegura reverência universal e perpétua!

Justifica-se o júbilo que reveste a celebração da ressurreição do redentor! Jesus Cristo é o modelo a ser contemplado e imitado! A humanidade, e não somente o crente, possui, enfim, a referência infalível para uma plena e universal realização, a virtude da humildade. Celebrar a ressurreição de Cristo representa, em última instância, rejubilar-se por reencontrar e reassumir o caminho da despretensiosa e generosa caridade. É a Páscoa do coração!

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