Saber, artigo do padre Charles Borg

Conhecimentos dignificam! Toda ajuda solidária, se não for acompanhada por generoso e estudado investimento em conhecimentos, inevitavelmente se transforma em estéril assistencialismo. Improdutivo e subserviente! O objetivo da caridade não é simplesmente socorrer, embora determinados flagelos demandem ajudas pontuais e emergenciais. O genuíno interesse pelo outro se manifesta pelo consciente empenho em resgatar a legitima dignidade do cidadão. Caridade sem espírito de justiça é demagogia! Dissimulada manobra de dominação!

Entende-se justiça em seu sentido bíblico: garantir ao ser humano o que lhe é devido por direito. O entendimento bíblico-cristão induz a levar em conta o original projeto de Deus ao criar o ser humano. Mulheres e homens existem em sua condição de imagem e semelhança divinas, portadores do sopro divino que os torna seres vivos, dignos e únicos. Em sua apresentação poético-literária, os autores sagrados apresentam o ser humano, emergindo da Palavra e da Mão divinas, habitando idílico jardim, usufruindo de todos os benefícios. Nesta apresentação cinematográfica, os autores sagrados deixam claro que no projeto divino o ser humano existe para viver soberano e feliz, em plena harmonia consigo e com a natureza. Tal projeto fica, posteriormente, confirmado pelo Filho de Deus encarnado ao afirmar que a sua missão no mundo é garantir ao ser humano vida em abundância. Na perspectiva bíblica, é a justiça que tempera o relacionamento humano.

Paradoxalmente, o projeto de Deus acaba frustrado pela arrogância humana. Sujeitando-se à ilusão de querer ser igual ao divino Criador, o ser humano opta por orientar a vida seguindo seus próprios instintos. Obcecado por esta insensata pretensão, rompe a harmonia original da criação e abre espaço para o impulso da apropriação egoísta dos bens da terra, como também para a ambição de explorar a mão de obra do semelhante.

Ciente que o conhecimento é uma das maneiras mais sutis e mais eficazes de dominação e de exploração, o regente de turno, ardilosamente, restringe o acesso à ciência. Quanto mais as pessoas são mantidas na ignorância, mais facilmente são ludibriadas e mais argutamente manipuladas. A pobreza mais nefasta resulta da negação do saber. Evidente, nenhuma administração é tão maluca a ponto de propor declarada política de negação de conhecimentos. Abundam, no entanto, sutis estratégias para dificultar o acesso não somente à conhecimentos básicos como também à independente informação e irrestrita pesquisa. Finge-se instruir ao delimitar áreas de conhecimentos. Regimes autoritários monopolizam o ensino e tutelam o aprendizado. Oportunistas e inseguros, receiam ampliar o acesso ao mundo plural das ideias, pela inerente ameaça de perder o absoluto domínio. Doutrinar não é ensinar.

Aceso irrestrito à informação e pesquisa, tanto no campo acadêmico como jornalístico, contribui eficazmente para desenvolver mentalidades críticas, com capacidade para avaliações e para a autodeterminação. Habilita sobremaneira para fazer corretas escolhas, corrigir rumos e, acima de tudo, para realizar objetivas autoanalises, ajustando comportamentos pessoais e redefinindo conceitos e convicções. O resgate da dignidade passa obrigatoriamente por um consciente e progressivo investimento no complexo mundo do conhecimento. Saber é poder! Conhecimento é libertação! Facilitar irrestrito acesso a ideias e informações representa o jeito mais nobre de promover a dignidade do ser humano. Caridade sem justiça é tapeadora!

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