Sede de gente, tema do artigo do padre Charles Borg

Jesus pediu água! Em duas ocasiões distintas, o Mestre revelou estar com sede. A primeira vez foi em Samaria, e para uma mulher, enquanto descansava à beira do poço de Jacó. A outra, foi na agonia dramática da crucifixão. Com forte grito, Jesus revelou estar com muita sede. Ao analisar detidamente os acontecimentos é se induzido a concluir que a sede de Jesus era de natureza diferente da necessidade natural de hidratar-se. Curioso, em ambas as circunstâncias não há registro que o Mestre tenha ingerido alguma bebida.

No envolvente diálogo a beira do poço, Jesus usou a sede como estratégia para abrir a conversação com a mulher de Samaria. Nota-se que o evangelista não registra o nome da samaritana, detalhe que, segundo os estudiosos, acena tratar-se não tanto de uma pessoa em particular, mas de uma categoria de gente. A samaritana personifica toda pessoa cansada, desorientada e desiludida com a vida. Jesus não hesita puxar conversa com a cética cidadã. A maneira simples e direta de pedir água desconcerta a mulher e a induz a afrouxar a previsível resistência. Com formidável maestria, esquivando-se das provocações e ironias, Jesus induz a mulher a reconhecer que, na realidade, era ela quem mais precisava de água! Seus diversificados equívocos a mantinham dependente de poços e cântaros! Ao final, a mulher reconhece em Jesus a fonte de água viva a jorrar para a vida plena. Convicta e saciada, a samaritana dispensa o cântaro e corre para anunciar a novidade a seus conterrâneos. A sede de ambos estava satisfeita! Sem forçar situações, Jesus convence a mulher que a maior sede da vida dela – e de todo ser humano – não é de água material, mas de encontrar o verdadeiro sentido para a existência. Satisfeita a sede da mulher, Jesus também sacia sua sede!

Crucificado, Jesus revela, novamente, estar com muita sede. Presume-se tratar-se de sede natural. Afinal, Jesus devia estar seriamente desidratado após perder tanto sangue nas torturas sofridas antes da crucifixão. Os soldados oferecem-lhe vinagre. Ele recusa. Ao rejeitar a bebida, Jesus deixa transparecer que sua sede era de outra natureza.

O grito na cruz escancara o ardente desejo de Jesus de ver a humanidade compreender a singularidade da sua doação e, assim, compenetrar-se do imenso amor que Deus tem para com todas as pessoas. A sede que Jesus sente na cruz não é de líquidos, mas de gente! A agonia de Jesus de ver as pessoas libertas de suas misérias espirituais e materiais como também de vê-las restauradas em sua dignidade original é tão premente quanto o desespero do sedento em busca de alguma bebida capaz de lhe refrescar os lábios. Na cruz, Jesus expõe até onde é capaz de chegar o amor de Deus pela humanidade: amou tanto o mundo, a ponto de entregar seu próprio Filho! Na cruz, o amor chega ao fim, literalmente! O agonizante grito expressa o profundo anelo de atrair sobre si o olhar de toda a humanidade.

Jesus continua com sede! Persiste sua sede de gente! Enquanto houver uma única alma desorientada, desolada e desiludida com a vida, enquanto houver uma única pessoa escravizada por vícios, ferida em sua dignidade, abusada em seus direitos, Jesus Cristo continua revelando estar com sede! É seu recurso de chamar a atenção, de induzir as pessoas a mirarem seu rosto e encontrar no seu olhar a infinita ternura, a inesgotável misericórdia, a profunda urgência e o libertador anelo de saciar a sede de paz da alma humana. Seja no poço, seja na cruz, Jesus olha, ama, sacia!

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