Terra Sagrada, artigo do padre Charles Borg

Sagrada é a terra! Convicção básica esta presente em todas as culturas indígenas e confirmada no texto Sagrado dos cristãos. Declara a Bíblia que, nas origens, o Espírito de Deus pairava sobre o caos e o transformou em cosmos. A fé cristã reconhece Deus como o Criador do universo, pouco importa se por ação direta ou indireta, via gradativa e progressiva evolução. Consequentemente, enxerga a terra, com toda a sua complexidade ambiental, como obra divina.

Sagrada, portanto. Em estilo poético, o autor sagrado descreve a pujança, a beleza e a fecundidade da natureza – verdadeira mãe – saída das mãos divinas. Cativa e interpela o entendimento, a difusa reverência pela natureza manifestada pelos povos indígenas em diversas partes do mundo. O sentido apreço pela mãe terra fez, naturalmente, emergir entre esses povos cativante e diversificada liturgia ecologia.

Encontram-se tribos que, preservando as tradições dos antigos, recusam usar calçados e andam descalços em atitude de respeito pela terra. Creem que o contato direto com a terra favorece e alimenta o corpo da energia que emana da natureza. Celebram em danças e cânticos as estações férteis. É difusa praxe não explorar os recursos naturais. Tira-se da terra somente o que necessário é para a sobrevivência.

Usufrui-se dos recursos naturais sem os destruir. A consciência da generosa e diversificada fecundidade da mãe terra faz emergir sentimento profundo de gratidão expresso em rituais de reverente coreografia. Coerentemente, é doutrina comum entre os primitivos que todo gesto agressivo contra a natureza acarreta graves e sinistras consequências não somente para a atual, mas também para as futuras gerações. Cuida-se, neste sentido, de passar para os mais jovens a sabedoria e os conhecimentos acumulados ao longo de anos em reverente convívio. Pela instrução transmitem-se conhecimentos. Pelas boas práticas, sabedoria!

É inegável que a chegada dos colonizadores trouxe para os territórios indígenas consideráveis avanços materiais e espirituais. Pena que o encontro com os nativos ter seguido a logística da conquista, da dominação, da arbitrária posse. Amparados na bruta força e convencidos em sua pretenciosa superioridade cultural, os colonizadores, não contentes apenas em encurralar os habitantes originais das terras, aplicaram-se também em descartar e sufocar sua milenar sabedoria. Com arrogante presunção impuseram sua cultura, desqualificando como ingênuas e simplórias as tradições dos nativos. O soberbo menosprezo pelos conhecimentos indígenas, como se o colonizador nada tivesse a aprender com a sabedoria dos nativos, constitui uma das mais deploráveis agressões e representa irreparável perda no campo da ciência. Lamentavelmente, a mesma mentalidade, dominadora e petulante, persiste, visível em sucessivas tentativas de invasões de terras indígenas e em articuladas iniciativas buscando desqualificar conhecimentos e culturas nativas. Desmatamento irresponsável, gananciosos e criminosos garimpos a procura por minerais preciosos, persistentes tentativas em reduzir territórios demarcados, são exemplos de mentalidades predadoras e abordagens bitoladas.

Cresce, em contra partida, felizmente e de forma consistente, nova e humilde mentalidade de abertura à cultura indígena. Valoriza-se a milenar intuição nativa que ensina reverenciar o meio ambiente. À medida que se habitue a tratar a natureza com respeito e reverência, ela retribui o cuidado com fecunda generosidade. Louvam-se as diversas iniciativas pedagógicas, inclusive em encontros de catequese, que estimulam crianças e jovens a ter contato direto com a natureza, a decifrar seus odores, a observar seus ciclos de crescimento, a admirar e aprender com o complexo e harmônico ecossistema. Incalculáveis são as reservas e imensas são riquezas que a mãe-terra abriga – verdade confirmada pelo livro sagrado dos cristãos. Emerge o paradoxal drama ecológico: todas as riquezas guardadas na “casa comum” estão a serviço do ser humano, sujeitos, portanto, à sábia, solidária e prudente governança. Nefasta é a mentalidade predadora. Abominável é a ambição gananciosa. Evocando a original iniciativa divina, o inspirado salmista invoca, e a liturgia cristã ecoa suplicante, que o Espírito fosse novamente enviado para renovar a face da terra! Renovar e salvar!

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