Em artigo, padre Charles Borg recorda o ardor missionário que o fez vir para o Brasil

Padre Charles Borg publicou texto relembrando sua chegada ao Brasil

EVANGELIZAR

‘O Brasil, meu filho’! Foi com esta exclamação que minha mãe reagiu naquele domingo quando, durante almoço em família, comuniquei que tinha solicitado aos meus superiores dominicanos que fosse enviado ao Brasil. Era julho de 1969. Fui ordenado sacerdote em outubro de 1968. Logo após a ordenação, fui aprovado em exame de licenciatura em filosofia e teologia com vaga reservada na Universidade Angelicum em Roma para seguir carreira acadêmica.
A solicitação frustrou as expectativas de meus familiares, e também o planejamento de meus superiores locais. Meus familiares pediram que eu repensasse. Meus superiores que adiasse o pedido. Interiormente, a decisão já estava tomada. Naquele tempo, o Brasil representava o fim do mundo. A comunicação era lerda e cara. Cartas demoravam três meses para chegar ao destino. Telefonemas com hora marcada e com 72 horas de antecedência. Compreensível o espanto e o receio.
O trabalho missionário sempre mexeu comigo. Em Malta, dá-se muito valor ao trabalho missionário. Enaltece-se a presença benéfica de padres, religiosos, religiosas e leigos em terras de missão, normalmente carentes de atendimento religioso e de ajuda humanitária. Os malteses amam as missões e os missionários. Este amor pelas missões explica, de um lado, o considerável número de agentes pastorais que regularmente sai da ilha para se dedicar, em terras estrangeiras, ao trabalho de evangelização.
Como também justifica as habituais promoções visando angariar fundos em prol das comunidades servidas por missionários malteses. A cultura missionária integra a religiosidade do povo da minha terra. Possivelmente, deve-se a esta cultura o fascínio pelo trabalho missionário que cultivei antes mesmo de ser ordenado sacerdote. Formei, ainda seminarista, junto com colegas, um movimento que fomentasse o espírito missionário.
A escolha pelo Brasil deveu-se ao fato que os dominicanos malteses já trabalhavam no estado do Paraná.  Quando, então, Frei Domingos, hoje bispo emérito da diocese de União de Vitória, PR, visitou o seminário e falou da grande necessidade de sacerdotes que havia no Brasil, tomei interiormente a decisão que, caso viesse a ser ordenado sacerdote, pediria para trabalhar no Brasil.
Desembarquei no Rio de Janeiro em 18/1/1971! Com 25 anos de idade, sem saber articular uma única frase completa em português, mas com determinação e a excitação, peculiares à espíritos juvenis! Era o auge da ditadura militar e havia serias restrições à entrada de sacerdotes estrangeiros. Ao desembarcar, fui conduzido a uma sala, onde fiquei incomunicável, sem passaporte e sem bagagem, por aproximadamente três horas. A polícia federal, após revistar minuciosamente minha bagagem, me liberou. De taxi, procurei o convento dominicano no Leme, RJ. Os frades me recebiam com solícita hospitalidade. Conseguimos nos comunicar em italiano, um alívio em poder conversar, após mais de cinco horas de mímica, com alguém que me entendesse. De ônibus, viajei para o Paraná, uma viagem que parecia interminável! Da minúscula ilha de Malta para a imensidão do Brasil! Dominar o idioma foi árduo desafio. Devo muito à comunidade de irmãs dominicanas em Faxinal (PR) que com exemplar denodo me alfabetizaram no português. Com solícita paciência corrigiam meus primeiros sermões. Continuo aprendiz da língua!
Após dez anos no Paraná – Faxinal e Londrina – vim para Araçatuba em 1980. Em cada uma destas cidades fui carinhosamente acolhido, firmando amizades sólidas e duradouras. A inicial acolhida, fria, protocolar, impessoal, foi amplamente compensada por uma hospitalidade temperada ricamente por afeto, respeito e consideração. Extensivos, inclusive, a familiares que aqui vieram visitar-me. Por onde andei, procurei anunciar e testemunhar o Evangelho de Jesus Cristo, fonte única a promover relacionamento fraterno elevado e inspiração sólida para avançar na genuína dignidade humana. Ao alcançar este significativo marco de cinquenta anos de trabalho missionário no Brasil, confesso, com absoluta sinceridade, que neste país, que considero e respeito como segunda pátria, amadureci minha vocação sacerdotal. Andando é que se faz o caminho! Entendo que forma melhor não há para expressar gratidão por tanto afeto e tão calorosa hospitalidade que evangelizar com sempre maior ardor e comprometida caridade!

2 Comentários

  • Parabéns Padre Charles! Estás sempre a adentrar meu coração com seus artigos. Coração este, como tantos nessa nossa Diocese, cidade, estado, país, terra de missão…Um grande abraço!

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