Padre Charles Borg: a cultura do cuidado, parte 1

‘A cultura do cuidado como percurso de paz’! Inspirado neste tema, o papa Francisco dirigiu a todas as pessoas de boa vontade sua tradicional mensagem para o Dia Mundial da Paz, celebrado no primeiro dia de cada ano. Apresento, a seguir, trechos selecionados desta mensagem com o objetivo de levar aos leitores a possibilidade de inteirar-se do pensamento do Papa.

‘O ano 2020 ficou marcado pela grande crise sanitária do Covid-19. Penso naqueles que perderam um familiar, em quem ficou sem trabalho. Lembro de modo especial, os médicos e demais funcionários em hospitais e centros de saúde, nos capelães que se prodigalizaram a fim de salvar vidas e aliviar sofrimentos. Ao mesmo tempo, renovo o apelo aos responsáveis políticos para que tomem as medidas adequadas a garantir o acesso às vacinas contra a Covid-19.

Escolhi como tema desta mensagem “a cultura do cuidado como percurso da paz”. A cultura do cuidado para erradicar a cultura da indiferença, do descarte e do conflito, que hoje muitas vezes parece prevalecer. Na Bíblia, o livro do Gênesis revela a importância do cuidado ou da custódia no projeto de Deus para a humanidade. Os verbos “cultivar” e “guardar” descrevem a relação do ser humano com a sua casa-jardim e indicam também a confiança que Deus deposita nele fazendo-o senhor e guardião de toda criação. Nestas narrativas tão antigas, ricas de profundo simbolismo, já estava contida a convicção atual de que tudo esta inter-relacionado e o cuidado autêntico da nossa própria vida e das nossas relações com a natureza é inseparável da fraternidade, da justiça e da fidelidade aos outros.

É precisamente o cuidado da criação que está na base da instituição do Shabbat que, além de regular o culto divino, visava restabelecer a ordem social e a solicitude para com os pobres. Coerentemente, os profetas erguem continuamente a voz em prol da justiça para os pobres, que, pela sua vulnerabilidade e falta de poder, são ouvidos somente por Deus, que cuida deles. A vida e o ministério de Jesus encarnam o ápice da revelação do amor do Pai pela humanidade. Na sua compaixão, Cristo aproxima-se dos doentes no corpo e no espírito e os cura; perdoa os pecadores e lhes dá uma nova vida. Jesus é o bom samaritano que se inclina sobre o ferido, trata das suas feridas e cuida dele. No ponto culminante da sua missão, Jesus sela o cuidado por nós com o dom da sua vida. Com o seu sacrifício abriu-nos o caminho do amor e disse a cada um: “segue-me! Faz tu também o mesmo”.

As obras de misericórdia espiritual e corporal constituem o núcleo do serviço de caridade da Igreja primitiva. Os cristãos da primeira geração praticavam a partilha para não haver entre eles alguém necessitado. Esforçavam-se por tornar a comunidade uma casa acolhedora, aberta a todas as situações humanas, disposta a ocupar-se dos mais frágeis.’

Continua…

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