Artigo do vigário-geral, padre Charles Borg: fé e política, parte 1

Fé e política não se misturam! É o ditado popular! No entanto, uma das mais badaladas recomendações na presente corrida eleitoral é votar em quem acredita em Deus! Desapaixonadamente analisando, esta recomendação é mais que válida. Encontra inspiração, inclusive, na atuação de praticamente todos os chamados fundadores de religiões. E por motivos muito simples: a religião integra a vida humana.

Sendo o ser humano um agente social, quem zela pela vida humana envolve-se naturalmente com o aspecto político, uma vez que a politica insere-se essencialmente no cotidiano social da vida. O sujeito que acredita em um Ser Supremo bom – seja qual for sua filiação religiosa – tende a agir segundo princípios corretos e justos. Com evidentes reflexos positivos na condução da vida da sociedade. Fé e política naturalmente se complementam!

O primeiro, e mais óbvio, desafio que emerge é estabelecer critérios que ajudam definir quem, de fato e de verdade, acredita em Deus! Propõe-se, como ponto de partida, o critério da prática e da frequência religiosa. Embora seja uma virtude da alma, a fé se manifesta em gestos. A mais elementar atitude visível de um crente é sua presença regular e sua participação ativa na comunidade de fé a qual está filiado.

Não se imagina uma pessoa de fé que esteja regularmente ausente da sua comunidade. Assim como não se imagina um integrante de uma família que raramente se faz presente em reuniões familiares. Afirmar que não tem tempo, por estar ocupado com variadas tarefas, é claro indício que a dimensão espiritual, na verdade, ocupa preferência secundária na escala de valores do sujeito. O crente autêntico reconhece o impulso de externar seu sentimento religioso com os irmãos/irmãs que professam o mesmo credo e onde, igualmente, alimenta sua vida espiritual. Não há fé sem liturgia. Assim como não há legitima liturgia sem fé! Fé sem liturgia é oratória! Liturgia sem fé é representação.

Nenhuma fé se sustenta sem culto e reverência! Critério primeiro: engajamento contínuo e comprometido com a comunidade religiosa a qual se é filiado.

O culto pauta posturas. Se se reverencia um Ser Supremo que se identifica como Amor eterno, fica óbvio que as preferências do crente engajado sejam fundamentalmente pautadas por escolhas configuradas por esse amor. Não se imagina acreditar em um Ser Supremo justo sem que o cotidiano do fiel, em todas as suas manifestações, não seja igualmente orientado por princípios justos. Pessoa de caráter não tolera duplicidade. Não admite agir como crente no templo, e como ateu nas labutas da vida. Os manuais sagrados de todas as religiões exigem coerência entre o que se professa com os lábios e o que se pratica com as mãos.

Na vida do crente voz e mãos andam em sintonia. E se complementam. As escolhas externas costumam sinalizar a autenticidade da fé que se professa. É pelos frutos que se conhece a saudável seiva da árvore. Verdadeiramente crente é o sujeito que deixa um rastro de bondade por onde passa. Bondade esta que não é seletiva, restrita a um grupo selecionado de pessoas – familiares, companheiros, associados. Nem paternalista, gerando subserviência e dependência, mas inclusiva, abrangente, promotora estrutural do bem estar. Justa e digna, em suma.

Mesquinha e rala é a bondade que privilegia parceiros em detrimento ao interesse coletivo! Igualmente fútil é a bondade ufanista, dependente de aplausos e reconhecimentos! Critério outro: iniciativas beneméritas autênticas. Sem oportunismos e badalações!
Quem a Deus teme não se enxerga apolítico!
(continua)

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