Modelo, artigo do padre Charles Borg

Cesareia de Filipe é um lugar aprazível! Assim denominado, para diferenciá-lo de Cesareia Marítima, o local é, ainda hoje, espécie de oásis, no tórrido clima da Galileia do Norte. Entre outras atrações, em Cesareia de Filipe encontra-se uma das nascentes do rio Jordão. O sítio, atualmente, é um agradável parque com profusão de água corrente, límpida e fresca, protegida por exuberante vegetação. Local para descontraído e repousante descanso.

Os evangelistas sinóticos situam nesta localidade aprazível o que se habitou a classificar como a conversa mais emblemática entre Jesus e seus discípulos. Serve o pitoresco cenário como apropriado pano de fundo para Jesus revelar sua verdadeira identidade. Exímio pedagogo, inicia a conversa solicitando as impressões do povo a cerca da sua pessoa. No conceito popular, Jesus estava “bombando”. A intenção do Mestre, contudo, é mais intrigante. Incisivo, quer saber o que o grupo que mais lhe fazia companhia pensava sobre ele. Pedro, então, toma a frente e confessa que o grupo está convencido tratar-se do Messias, o tão aguardado libertador prometido pelos profetas. Jesus confirma a fé de Pedro, mas cuida de detalhar a logística que seria adotada para conseguir a libertação: precisaria chegar em Jerusalém, onde seria rejeitado, preso, condenado a morrer na cruz. E ressuscitaria!

Inconformado, Pedro recrimina duramente Jesus. Como pode-se acreditar em alguém que diz ser enviado de Deus, Messias ungido, que morre crucificado? Não cabe esse absurdo na lógica humana! Sem perder a firmeza nem a serenidade, Jesus repreende seu recém-nomeado vigário. Chama-o de Satanás, insurgente contra o plano divino, pedra de tropeço, escândalo. Pedro teima em pensar a moda humana.

Na lógica humana, só há vitória quando o adversário é dominado. Jesus inaugura, à margem da nascente do rio Jordão, diferente logística, a de vitória sem derrotados. Insinua que as vitórias são legitimas quando não houver vencidos, quando, ao contrário, todos, inclusive os adversários, saem beneficiados. Ao aceitar morrer na cruz, e depois ressuscitar, Jesus indica o caminho da autêntica libertação, inclusive para seus algozes: sepultar de vez a arrogância do domínio!. Reiteradamente afirma que veio ao mundo para salvar e não para condenar. Único e legítimo Messias! Com moral autoridade a ordenar Pedro a seguir seus passos, ficar atrás dele!
Nosso país vive momentos de peculiar tensão política, rachado que está em dois grandes blocos, a favor de um e contra o outro. Evidente está nesta lida, que o êxito de um depende do aniquilamento do outro. Predomina a logística humana – de Satanás – denunciada por Jesus no seu confronto com Pedro. A persistir esta lógica, não haverá vencedores, experimentar-se-á o amargo sabor de derrota por todos, como está ficando evidente a cada degrau de animosidade que se sobe. A dialética binária do favor/contra contamina todas as conversas, embaralha argumentos.

Faz balançar, inclusive, amizades! Urge acordar e libertar-se desta hiperpolarização suicida que está envenenando o país. Dividida, a população só perde. Impõe-se conferir o que se lê e filtrar o que se ouve, pois neste ambiente tóxico de crescente intolerância destacam-se agentes que se divertem e se enriquecem atiçando cada vez mais a fogueira do confronto. A intenção prevalecente é causar impacto, às favas a verdade! Importa ampliar audiência, mesmo que seja a custa de inverdades!

A exigência imposta a Pedro para que se posicionasse atrás de Jesus é, por obvio, extensiva a todo discípulo. Sobre os conscientes seguidores do Mestre recai a sublime tarefa e redentora missão de dar testemunho da estratégia da cruz, ganhar sem aniquilar. A ninguém se pede que abra mão de suas preferências. Apenas reconhecer que adversário não é inimigo! O objetivo não é domina-lo, mas atrai-lo para a verdade! A convocação permanece atualíssima: exorcizar a exacerbada polarização. Renunciar decididamente à logística excludente de Satanás e aderir resolutamente ao modelo inclusivo do Messias, promulgado a beira das límpidas águas da nascente do rio Jordão, em Cesareia de Filipe!

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