Crises impõem escolhas! Escolhas revelam identidade. Explicitam preferências e indicam ideais. Nesta particular crise – com seus desdobramentos – provocada pela pandemia emerge momentoso desafio para os cristãos: deliberar a partir da fé. Em situações de crise avalia-se a fé, sua autenticidade e ascendência. Ouve-se com relativa frequência a confissão: creio no poder de Deus, mas por que a demora em por fim a esta tragédia universal? Elevam-se preces ao redor do mundo, mas a aflição, o medo e as mortes não param de atormentar! Estará a fé sendo pequena? Análoga experiência de vacilo na fé viveram os discípulos pescadores ao enfrentarem violenta tempestade enquanto o Mestre placidamente dormia.
Bruscamente acordado, Cristo aclamou a fúria do mar e ainda censurou a pouca fé do grupo. Afinal, ele estava ali, dormindo, mas presente! Este tem sido o desafio constante para a Igreja desde o início: diante das recorrentes turbulências, ora causadas por agentes externos, ora por intrigas internas, realizar escolhas que revelam e testemunham a fé na presença viva do ressuscitado. O mistério da ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo representa o fundamento da fé cristã e a inspiração a motivar iniciativas, tanto no campo individual como eclesial.
A fé não é somente dogma. Não se esgota em rezas. A fé alarga o discernimento! Aprofunda o entendimento. A fé impõe atitudes. Inspira escolhas. Admira-se a sábia coerência de nosso Senhor ao insistir no testemunho como tarefa principal de seus seguidores no mundo. Interessante observar, nas narrativas relacionadas com as aparições do ressuscitado, a insistência sobre o testemunho. A ressurreição, este marcante acontecimento, transformador da história, com seus óbvios desdobramentos, precisa ser apreciada por todas as nações. E a logística, indicada pelo próprio Mestre, não foca tanto a pregação, senão as escolhas do crente.
Testemunhar representa partilha de experiências. É da natureza do ser humano compartilhar fortes emoções. Quanto mais marcante a experiência, mais vibrante fica a partilha, incontestável o testemunho. A intensidade do testemunho o torna eloquente, com real poder de interpelar. Pois todo testemunho autêntico envolve o conjunto da personalidade humana. É psicossomático, mexe com a inteligência, o psicológico, o emotivo e o sensorial. Ilustrativa neste contexto a narrativa dos dois discípulos de Emaús que após viverem a pascal experiência com o ressuscitado, participando com ele do ritual do pão repartido, retornam impulsivamente à cidade de Jerusalém, justamente para partilhar a experiência vivida.
Emerge a mais iluminadora, e programática, verdade que explica a sobrevida da Igreja de Jesus Cristo ao longo desses dois mil anos de turbulenta história: o testemunho de caridade incondicional em favor da vida dado por agentes que “viram o Senhor”.
“Ver o Senhor” experiência indispensável para uma fé madura! E consciente! “Ver o Senhor” experiência pessoal, íntima, impactante com o Cristo ressuscitado! Possível a todos, graças às várias iniciativas do próprio Cristo em se fazer presente em meio aos seus. Esta experiência do encontro íntimo, profundo, pessoal atinge de tal maneira a pessoa, que o sujeito experimenta uma profunda transformação. Verdades divinas, como a supremacia da vida e a soberania da caridade, são assimiladas com tal clareza e convicção a ponto de mudarem referências e revestirem de uma admirável coerência ações e reações. A serenidade nas convicções dispensa patrulhamentos e doutrinações. Dispensa marketing e créditos. Repousa tão somente na inerente potencialidade dos valores, naturalmente perceptíveis, simultânea e profundamente interpeladoras!
Na constante conturbada conjuntura, tornada atualmente dramática pela pandemia, o discípulo de Jesus Cristo reconhece-se enviado com urgência a dar testemunho da ressurreição a um mundo descrente, desorientado e agoniado. Apesar das feridas e das dores, a morte não prevalecerá! A vida sairá vitoriosa! A bondade triunfará! Promoção decidida da vida, incondicional opção pela caridade solidária, emergem como reflexos espontâneos de fé madura. Síntese da autêntica fé na ressurreição, alicerçada na bem-aventurada, singela e pessoal experiência de “ver o Senhor”!