Pão e água, artigo do padre Charles Borg

Infame é a fome! É a mais humilhante dos sofrimentos! É cruel! E lembrar que nesta situação de insuficiência alimentar grave, como é educada e atualmente definida a situação de penúria alimentar, como se a polidez da frase diminuísse o escândalo, encontram-se 33 milhões de brasileiros. Claro, a fome não é problema somente do Brasil. É flagelo mundial, agravado pela pandemia da Covid-19 e, agora, por esta insana invasão russa em território ucraniano. Tanto a Rússia como a Ucrânia respondem por 12% das calorias comercializadas pela humanidade. Esta guerra afeta diretamente o sustento de mais de 400 milhões de pessoas ao redor do mundo. Fenômenos climáticos adversos em diversas regiões do mundo acabam piorando a já calamitosa situação alimentar, confirmando o alerto do Programa Alimentar Mundial classificando o corrente ano como terrível em matéria alimentar.

Entre nós, vários fatores contribuem para tornar mais agudo esse nefasto flagelo da fome. Políticas sociais governamentais limitadas e oportunistas, o difícil escoamento da produção agrícola, a inflação crescente, o aumento no desemprego e, um dado recente destacando a “feminilização da fome”, contribuem para recolocar o pais novamente no mapa mundial da fome. Emergiu que entre as mulheres a insegurança alimentar aumentou 14% porque elas foram mais afetadas pela pandemia no mercado de trabalho, obrigadas a permanecer em casa por causa do isolamento e pelo fechamento das escolas. Estima-se que a diferença entre os gêneros, no Brasil, é seis vezes maior do que a média global. Não bastasse a combinação de todos esses sinistros fatores, a fome no Brasil é mais cruel por integrar o país o seleto grupo das 10 nações que mais produzem e exportam alimentos no mundo. No “celeiro do mundo” os nativos passam fome!

A dimensão e a gravidade do flagelo da pobreza extrema impõem incluir a fome como primordial tópico na pauta comportamental tanto das administrações como dos cidadãos. Atribuir somente às autoridades a responsabilidade pelo encaminhamento do problema não é somente cômodo como, e principalmente, cínico. Assim como na pandemia fica evidente que a superação do contágio é tarefa precipuamente coletiva, a urgente questão da insegurança alimentar é, igualmente, missão que, moral e obrigatoriamente, envolve todo cidadão. É sabido que não é alimento que falta – basta reparar as gôndolas de supermercados. Falta justo acesso. Não bastasse a desigualdade social que proporciona abundancia desmedida a alguns poucos e provoca carestias nas maiorias, repara-se com o irresponsável escândalo do desperdício. Segundo fontes oficiais das Nações Unidas, no Brasil desperdiçam-se 30% da produção alimentar.

E não é somente no atacado, mas também no varejo! Basta reparar no tanto de comida e bebida deixada em mesas de restaurantes e kits de lanchonetes! Neste país não é somente comida que se joga fora, água potável também. Confirmam estudos oficiais que se não houvesse tanto desperdício e se a rede de distribuição fosse feita com mais justiça e critério a produção de água potável seria suficiente para abastecer toda a população nativa! Milhões de concidadãos não têm água nem para lavar as mãos! Falta pão e falta água porque falta consciência e falta solidariedade! Desumana é a insensibilidade! Imoral a indiferença. Antiético o descaso para com o semelhante!
Indigna é a fome! Cruel, a sede!

Segundo o preceito divino todos devem comer até saciar-se! Individualmente, ninguém é responsável direto pela fome e sede das multidões. Cada cidadão, especialmente quando batizado, é responsável, todavia, pela maneira como reage diante do infame e injusto flagelo da insuficiência alimentar grave. Num país que se diz cristão, que se ufana da sua crença em Deus, vale ribombar a advertência bíblica: aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê!

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