Tolos, artigo do padre Charles Borg

Toda vitória tem custo! Pergunta ao atleta e ele lhe mostra as várias cicatrizes acumuladas ao longo da carreira. Indaga ao escritor e lhe conta as intermináveis horas em busca daquele termo ou daquela expressão que mais bem externa seu pensamento! Não há êxito duradouro sem inevitáveis cicatrizes, umas expostas, visíveis. Outras invisíveis e escondidas, mas não menos doídas. Parece ser esta a lição, embutida nas entrelinhas, que emerge do registro dos primeiros encontros de Jesus ressuscitado com os discípulos após a ressurreição. O evangelista João insiste em apresentar Jesus ressuscitado marcado pelas cicatrizes da crucifixão. É a prova material que induz os discípulos a firmarem sua fé na realidade da ressurreição e na certeza de que Jesus se encontrava vivo, realmente. Quem se apresentava a eles não era fantasma, mas o mesmo Cristo que conheciam, mas agora glorioso. As cicatrizes da crucifixão desempenham dupla função, explícita, comprovando a veracidade da ressurreição. Outra, implícita e educativa, assinalando que não há vitória sem custo! Cicatrizes resumem vidas, testemunham histórias. Gente tem que se abate com feridas. Outros, as enfrentam e renascem!

Reflexão esta última que se apresenta sumamente urgente em tempos atuais, quando se percebe explícita ojeriza a qualquer tipo de sofrimento ou contrariedade. Ressalva-se, não há prazer algum em sofrer! Espalha-se, todavia, a ambígua doutrina que viver bem é sinônimo de vida folgada. A mídia moderna colabora com essa fantasia ao insistir em difundir a ilusão do sucesso instantâneo. Artistas, atletas e agentes anônimos “explodem” nas telas de uma hora para outra, polarizando atenções e, não raramente, embolsando polpudos cachês. A rápida sucessão de celebridades ajuda a espalhar a ilusão do sucesso fácil. Ao se deparar com a dura, e educadora, realidade, de que não existe glória sem renúncia doída, muita gente, particularmente jovem, se decepciona, se deprime e se desespera.

Alguns fenômenos intrigantes no atual cotidiano ilustram essa realidade. A sucessiva troca de emprego, em busca de uma remuneração mais vantajosa com menor desconforto denuncia grave falta de profissionalismo. Contenta-se com o superficial e transitório. A crescente consulta ao algoritmo ChatGPT aponta idêntica tendência em âmbito, supostamente, acadêmico. Prefere-se o conforto e a rapidez da inteligência artificial à laboriosa, mas instrutiva, pesquisa de livros e dicionários. Acompanha-se o crescente oportunismo na difusa mentalidade superficial e fútil, decididamente adversa a todo tipo de disciplina. As consequências óbvias desta cultura refratária à renúncias e limites aparecem na desconsideração pela dignidade do outro, na excessiva tagarelice, na intolerância com o diferente, culminando nas nefastas e estupidas agressões contra a integridade física das pessoas.

O caminho da sensatez passa necessariamente pelo exemplo de vida dos mais experientes, com óbvia ênfase sobre pais, educadores e religiosos. O ponto de partida é a convicção inabalável na solidez de alguns poucos valores básicos como bondade, verdade e respeito. Agir com bondade, qualquer que seja a ocasião, pautar-se pela verdade, qualquer que seja a circunstância, tratar com respeito qualquer que seja o interlocutor é o comportamento que se espera de quem cultiva uma visão transcendente da vida. Pelos padrões atuais, claro, tal postura representa atraso de vida, sujeita a críticas e gozações, passível à perda de prestígio. A vida é para os espertos, é preciso largar de ser visionário! Emerge o paradoxo atual, cortante e desafiador: é desse tipo de tolos conscientes que a sociedade moderna necessita com urgência intransferível. É contraponto inadiável à cultura imediatista e hedonista que marca a atual mentalidade. São esses tolos assumidos, capazes de suportar feridas – como foi o próprio Cristo, afinal – que, com seu tenaz e coerente exemplo de conduta, reúnem condições de colocar sentido e sensatez neste mundo, desgovernado e fragmentado!

Sucesso duradouro, somente com disciplina e renúncia! Triunfo merecido, somente com cicatrizes! A sobriedade do sábio contrasta com a oca ostentação do sabido!

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