Falta enorme faz a capacidade da escuta. A polarização que toma conta da sociedade moderna deve-se, entre outros fatores, a crescente incapacidade de ouvir o outro. Mais preciso seria afirmar que o homem moderno se dispõe a ouvir somente o que lhe apraz ouvir, o que coaduna com suas convicções. Ouve o que convém! Desdenha-se, sumariamente, de opiniões contrárias. Seus autores são impiedosamente desqualificados. Este fenômeno nocivo, contagioso e difuso, corrói o convívio civilizado.
Nenhum campo de atividade coletiva está livre da ameaça polarizada. O radicalismo exacerbado contamina confissões religiosas, acirra preferências políticas, divide grupos étnicos, separa movimentos culturais e deturpa costumes. A patrulha das redes sociais alimenta ainda mais a fragmentação coletiva. Vive-se em ambientes onde todos se acham no direito de falar, mas poucos e raros se dispõem a assegurar acurada atenção. Neste contexto, o fosso da divisão, do conflito e do desencontro só tende a ficar cada vez mais profundo. Intransponível e ameaçador!
A ponte capaz de aproximar extremos se ergue a partir da capacidade de ouvir e da disponibilidade de prestar atenção. Escutar demanda disposição. Exige, igualmente, isenção de preconcepções. A superação de qualquer viés ideológico é pressuposto fundamental para o correto entendimento. Mente aberta se alcança com treinamento. Atenção acolhedora resulta de disciplina. Escutar não é somente dar ao outro a oportunidade de falar.
Requer o esforço para entender o que propõe. Salta outro aspecto dramático na atual agitação social: a dificuldade ou a indisposição para o entendimento. Entender abrange mais que assimilar palavras. Envolve captar intenções, intuir propósitos, discernir aspirações. Aflige a dificuldade das partes não conseguirem – ou não se disporem – a entender-se. Admite-se a prepotência de alguns presunçosos, que se acham donos da verdade. Convencidos, recusam considerar quem pensa contrário. Com soberbos não há diálogo possível.
Pessoas outras há, porém, que de tão apegadas às suas verdades simplesmente não conseguem sequer admitir a possibilidade de outras leituras. A impressão que se tem é que, entre essa gente bem intencionada, os conceitos estão tão radicados a ponto de se mostrar incapaz de assimilar outras dimensões ou de demonstrar sinais de abertura para novas propostas. Percebe-se este fenômeno em algumas tendências de caráter religioso. Grupos há tão aferrados a determinados hábitos litúrgicos ou práticas piedosas que não conseguem enxergar além de estabelecidas fronteiras.
A mística, no caso, deixa de ser libertadora e passa a ser impositiva. A doutrinação é mais forte que o entendimento. A submissão mais prezada que a inspiração! O diálogo, neste ambiente, se transforma em angustiante e estéril monólogo. Nenhuma exposição se manifesta capaz de convencer. Nenhuma argumentação, por mais lógica e ortodoxa, consegue abrir mentes e ampliar horizontes. Isto que se verifica na esfera religiosa, aplica-se igualmente para outras áreas de convívio. O possível receio de abdicar hábitos assumidos aborta a capacidade de escutar. O viés apaixonado tolhe o entendimento. Agrava o isolamento! Alimenta a desconfiança. Aguça a intolerância!
Escutar não é assentir. Ouvir atentamente pressupõe reconhecer que a verdade que se abraça pode não ser absoluta. Escutar é reconhecer, humilde e sensatamente, que ajustar conceitos não é nenhum sinal de fraqueza. Ao contrário, atesta a honestidade de quem busca avançar com sabedoria e equilíbrio. Entender-se, é o desafio mor da atual cultura!