Pró-vida, artigo do padre Charles Borg

Debate-se, novamente, nos Estados Unidos a questão do aborto. A Suprema Corte daquele país deixou escapar a possibilidade de rever a jurisprudência que tornou legal a prática do aborto. Entre nós, a descriminalização do aborto é palanque eleitoral! Motivo adicional porque a questão exige serena e prudente reflexão. Tornar legal a prática do aborto não elimina sua gravidade moral. A ciência médica assegura que desde o primeiro momento da fecundação o zigoto é um ser humano. O que se dá após a fecundação é o natural desenvolvimento de um ser humano, com DNA próprio. Portanto, o ser vivo abrigado e crescendo no ventre da mãe é gente. Nesta condição, merece o respeito e a proteção a que todo ser humano tem direito.

Isto dito, vale considerar a pertinência de alguns dos argumentos apresentados pelos defensores da descriminalização da prática do aborto. Afirma-se, e com razão, que independente da legalização ou não, a prática do aborto acontece. Com um sério agravante para a área da saúde: a pratica clandestina da interrupção consentida e violenta de uma vida em gestação acarreta vários riscos à saúde da mulher, envolvendo complicações subsequentes inclusive possível óbito. Sendo, em última análise, uma decisão subjetiva, ao tornar legal a prática do aborto se evitariam sérios riscos à saúde da mulher. Tornar legal a prática do aborto é, neste sentido, precipuamente uma questão de saúde pública.

Compreende-se por saúde pública, principalmente, a integridade física da mãe, como também alívio e economia para o sistema público de saúde. Emerge o dilema em toda a sua complexa dramaticidade.

Intui-se que, mesmo do ponto vista moral, tomar posição na questão não é tão simples. Impõe-se considerar alguns dos sérios e concorrentes motivos que levam muitas mães a procurar abortar. A exploração da mulher e a contumaz violência contra ela, a rejeição familiar diante de uma gravidez precoce, a falta de condições econômicas para criar e educar uma criança, a escandalosa desigualdade na remuneração do trabalho feminino, a excessiva erotização imposta pelo mercado de entretimento tornando os jovens particularmente vulneráveis! Repare-se como todas estas situações envolvem aspectos morais graves.

Tão graves quanto a própria discussão sobre a legalização do aborto. Impõe-se, naturalmente, sobre os cidadãos, mesmo entre os que consideram o aborto imoral (eu inclusive) analisar o problema em toda a sua complexa dimensão. Posicionar-se a favor da vida implica defender e promover a vida em todas os seus aspectos. Declarar-se simplesmente contra o aborto sem enfrentar as injustas estruturas sociais e de gênero redunda, no mínimo, em hipocrisia! Caso se deseje, na verdade, ver reduzida de maneira responsável e digna a prática do aborto, urge encaminhar de forma justa e humana as várias situações concomitantes de aviltamento, de exploração e de abandono a que uma vasta camada da sociedade, especialmente a feminina, se vê submetida. Dos que fazem do aborto plataforma política se cobra encaminhamentos eficazes e práticos na promoção integral da vida.

A questão do aborto é assunto ético. Abordá-lo apenas a partir do aspecto criminal é simplificar demais uma questão de imensa envergadura social e ética. Reduzir a discussão ao campo ideológico é desumano oportunismo. A defesa consciente da vida, moralmente correta e necessária, torna-se coerente e consistente quando acompanhada por uma envolvente campanha cívica e religiosa a exigir condições dignas de sobrevivência e por uma maciça investida na educação quanto ao respeito devido à mulher e à abrangente valorização da vida. Fora isso, o embate sobre a legalidade ou não do aborto, não passa de oportunista demagogia!

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