Pura religião, artigo do padre Charles Borg

Malta é lugar de turista! Em especial, no verão europeu, milhares de visitantes, advindos dos mais diversos cantos do planeta, escolhem a pequena ilha para desfrutar dias de sol, calor e o peculiar mar azul do mediterrâneo. Na rua a cacofonia de idiomas diverte e distrai. Entre os nativos, brinca-se que o mais estranho é ouvir alguém falando o idioma local. Num domingo, contudo, estando na igreja para participar da missa, acomoda-se no banco, bem em frente de um irmão meu, uma família que pelos traços e sussurros indicava vir das Filipinas.

A missa estava para começar, e aparece um casal com evidentes traços orientais. A curiosidade impera, e meu irmão olha em volta e se dá conta da presença de outros fiéis vindos de diversos países. Apesar das diferenças étnicas e linguísticas, lá estão todos na mais serena harmonia participando da celebração eucarística. Em volta do altar do Senhor, cessa toda diferença, seja de nacionalidade, de idade, de gênero e festeja-se o mais singelo milagre de comunhão fraterna. Naquela celebração eucarística, como em tantas outras que se celebram em Malta, no pico do afluxo turístico, o distintivo católico – universal – se justifica literal e plenamente! A religião, quando pura, congrega!

Vive-se, compreensivelmente, no país situação particularmente tensa face à realização do segundo turno da eleição para a presidência da republica. É natural que haja divergências. Igualmente compreensíveis as diversas estratégias para conquistar adesões e votos. Não se aprova, por óbvio, recorrer à calúnias e mentiras. Particularmente censurável, no atual estágio da campanha, é o impróprio e abusivo uso da religião e de tópicos relacionados à confissão religiosa. Usa-se a religião para se autopromover e, consequentemente, desqualificar o oponente. Recorrendo a esta tática, medieval e retrógrada, descaracteriza-se, por completo, o primário e sagrado sentido da religião. Como a própria etimologia insinua, a prática da religião visa ligar, aproximar pessoas entre si e com a divindade cultuada. No jogo político, a fé vira ferramenta de divisão.

Distorção total! Ao instrumentalizar a religião, os políticos, os partidos políticos e seus afilhados, escancaram suas indigências culturais e revelam seu agudo despreparo cidadão. O embate entre os candidatos deve pautar-se pelas urgências mais prementes da nação. Focando o sentimento religioso e explorando seus ambíguos desdobramentos, os candidatos não somente manipulam a virtude da fé como também, o que é mais trágico, descaracterizam o legitimo sentido da política. Pois a política deve ocupar-se com a governança do estado, por sua natural índole, plural e laico. Em tese, a confissão religiosa (ou a falta dela) do candidato é secundária.

O que deve prevalecer é a seriedade administrativa, o bom senso e a sabedoria para moderar interesses, a transparência na gestão, o empenho em gerar empregos e combater a aviltante miséria, o destaque à educação e o investimento em segurança e na saúde pública, as factíveis propostas de progresso e de elevação do índice de desenvolvimento humano com moradias dignas e saneamento básico para todos os cidadãos. Este é o debate que eleva a política. Este é o embate que induz o cidadão a refletir para, depois, sufragar patrioticamente. Deplora-se a instrumentalização interesseira da confissão religiosa. Repudia-se, e com veemência, a politização indecente da fé religiosa!

Pura, a religião, como acontece em Malta e em tantos outros destinos turísticos, aproxima os diversos. Religa os distantes. Supera as barreiras. Patrocina a singela harmonia

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