Graça, artigo do padre Charles Borg

Acontece, na Holanda, no mês de março, uma procissão em silêncio. O ato de fé homenageia a Eucaristia. A piedosa manifestação evoca fato acontecido no século quatorze. Um senhor doente, ao comungar, vomitou a hóstia consagrada. Piedosamente, o pároco pegou a hóstia e a colocou no corporal, que foi, em seguida, queimado. Para a geral surpresa, a hóstia não se queimou. Foi, então, levada à Igreja e no dia seguinte o dito pároco novamente tentou queimar a hóstia consagrada, mas sem êxito. Começou, desde então, uma devoção à Eucaristia que atraia gente de toda Europa. Com a reforma calvinista, a capela onde estava guarda a hóstia foi demolida e perdeu-se a sagrada relíquia.

A devoção, no entanto, persistiu entre os católicos, apesar da feroz perseguição sofrida nas mãos dos calvinistas. No início do século vinte, embora as procissões religiosas fossem proibidas na Holanda, os católicos acharam uma brecha na legislação que permitia manifestações silenciosas. Decidiram, então, se reunir em caminhada silenciosa à noite, para não perturbar a vida dos cidadãos. Somente na segunda metade do século passado, terminada a segunda guerra, a caminhada silenciosa recuperou a condição de procissão. De acordo com o bispo de Amsterdam, D. Jan Hendriks, esta devoção à Eucaristia, peculiaridade da piedade holandesa, não somente mantém viva a fé entre os católicos do país, como também alimenta a esperança de um novo despertar do sentimento religioso entre os holandeses.

É sabido que o catolicismo na Holanda, como aliás em toda Europa, passa por uma grave crise de identidade. A frequência à missa dominical gira em torno de 2% da população católica. Curioso, até a metade do século passado, a comunidade católica da Holanda era muito fervorosa, tanto que alimentava muitas dioceses estrangeiras com sacerdotes e doações. Na época, 10% dos missionários pelo mundo eram nativos da Holanda. A região noroeste do Estado de S. Paulo deve muito ao trabalho e ao zelo de padres vindos da Holanda, como também a generosas doações em dinheiro da comunidade católica daquele país. Um conjunto de circunstâncias, todavia, contribuiu para um rápido declínio religioso. A Holanda prosperou economicamente o que favoreceu o esfriamento religioso. Ainda segundo o bispo Hendriks, outro fator preponderante para o desinteresse pela fé foi a abolição do ensino religioso nas escolas. A difusa mentalidade secular deve-se a esta grave falta de formação religiosa.

Ciente desta lacuna, a Igreja na Holanda coloca como prioridade pastoral a formação religiosa dos batizados, insistindo em uma inserção efetiva nas novas comunidades paroquias. Concluiu-se que era desmotivador realizar várias celebrações para números pequenos de participantes. Desperdiçavam-se energias e recursos para pouco avanço espiritual. Optou-se, então, realizar uma ousada intervenção pastoral. Pequenas paróquias foram fechadas integrando-as em comunidades regionais, favorecendo maior aproximação de fiéis em celebrações mais dinâmicas, mais participativas. Visíveis, em suma. Entende-se que o mais eficaz testemunho missionário se dá em comunhão. As consequências desta arrojada iniciativa já se manifestam em um reavivar na fé, confirmado ainda pelo aumento de seminaristas advindos justamente dessas vivências comunitárias revitalizadas. Os batizados creem e conhecem o que creem, testemunhou o bispo.

Emerge verdade auspiciosa nessa iniciativa revitalizadora. Quanto mais fiel ao Evangelho de Jesus Cristo, maior é a força gravitacional da Igreja. Rejeita-se o equívoco de querer ajustar o Evangelho à mentalidade moderna. Tampouco fazer releituras e adaptações. Não se muda o Evangelho para agradar a sociedade. É a cultura moderna que permanece necessitada de conhecer, na íntegra, o Evangelho de Cristo! Inspirada no exemplo de seu Mestre, a Igreja não teme controvérsias e interpelações. Urge resgatar o Evangelho de Jesus Cristo e a ele aderir incondicionalmente. Somente Cristo Jesus tem palavras de vida eterna. Nele somente a graça da salvação.

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